sexta-feira, 29 de maio de 2020

Raça, racismo e etnia


Ao longo da história da humanidade, foram frequentes os encontros entre grupos sociais cujas diferenças eram percebidas principalmente pelos traços físicos. Essas características passaram a servir, então, como critério para classificar os grupos humanos.

A partir do século XV, os europeus lançaram-se à exploração do mundo. Nessa época, as diferenças entre os grupos humanos com base no fenótipo - conceito da Biologia que define o conjunto de características físicas de um ser vivo -, associadas aos interesses econômicos e políticos das elites das metrópoles, serviram como critério para justificar a exploração das populações nativas da Ásia, da África, da Oceania e das Américas pelos colonizadores europeus (espanhóis, ingleses, franceses, portugueses e outros). Por apresentarem características físicas e culturais diferentes, os nativos passaram a ser considerados inferiores e, em alguns casos, desprovidos de humanidade.
Nesse contexto, as diferenças físicas foram utilizadas como rótulo qualificativo e indicativo de suposição de superioridade e de inferioridade, diferenciando colonizadores e colonizados sob a premissa do etnocentrismo. 

Estavam criadas as condições para especular sobre as diferenças com base na cor da pele, inicialmente atribuída à maior ou menor intensidade da luz solar. No século XVIII, a cor da pele foi transformada no principal critério classificatório das hierarquias raciais produzidas pelas Ciências Naturais. Controlado pelos interesses econômicos e políticos das elites metropolitanas europeias, o processo de colonização buscou subordinar as populações nativas da Ásia, da África, da Oceania e das Américas explorando ao extremo seus recursos humanos e naturais. Os europeus justificaram suas ações com a ideia de que esses povos eram inferiores porque possuíam características físicas e culturais diferentes. Construía-se, assim, uma forma de agir perante o outro que conhecemos como racismo e que envolve toda ação preconceituosa, discriminatória ou segregacionista perpetrada contra quaisquer indivíduos e grupos por causa de sua origem étnica ou racial.

Como teoria, tentava-se justificar uma superioridade europeia com base em supostos atributos herdados biologicamente. Tratava-se de uma visão de mundo carregada de ideologias (pensadas como falsa consciência da realidade) que escondiam um fato não confessado: a relação de poder e dominação de determinados grupos sobre outros.
A ideologia do racismo baseou-se em estudos do comportamento humano que procuraram explicar as diferenças sociais e culturais apoiando-se nos conceitos das Ciências Naturais. Tais estudos influenciaram a criação de teorias raciais e eugênicas que buscavam justificar a ideia da existência de povos “inferiores” e “superiores”. Essas teorias ainda estão na base do pensamento que sustenta o racismo. 

Teorias raciais e eugênicas
Entre final do século XIX e início do século XX, a ideia de superioridade entre os grupos étnicos e raciais, isto é, de que existem grupos humanos fortes e fracos segundo características físicas herdadas biologicamente, foi associada a traços intelectuais e morais. Essa soma de suposições deu suporte para a difusão de argumentos pretensamente científicos que justificaram ações políticas de controle social exercidas pelas elites dominantes sobre as populações dominadas, negras e indígenas.  
Eugenia
Termo desenvolvido pelo inglês Francis Galton (1822-1911) que significa “bem-nascido”. Propõe o melhoramento da espécie humana pela reprodução de indivíduos com características desejáveis.
Para estudiosos da época, o termo “raça” definia um grupo humano com características próprias - físicas, psicológicas e culturais -, transmitidas pelos antepassados. De acordo com essa visão, as diferenças humanas são determinadas essencialmente pelo fator biológico, e os indivíduos são herdeiros dos traços físicos e das aptidões de seu grupo social de nascimento.
O chamado racismo científico e a tese da eugenia, bem como seus defensores, surgiram nesse contexto. Entre os representantes dessa linha de pensamento europeu que tiveram forte influência no Brasil estão o ensaísta francês Arthur de Gabineau (1816-1882) e o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909).
A ilustração, originalmente publicada em 1854 no livro Types of mankind (Tipos de humanidade), de Josiah Nott e George Gliddon, justifica a diferença evolutiva entre os europeus (representados pela escultura grega de Apolo) e os africanos, comparados aos chimpanzés.

 Segundo Gobineau, existiriam três raças puras: branca, negra e amarela. As demais variações seriam consequência de miscigenação entre elas. Seu principal argumento era que cada raça apresentava características físicas, psicológicas e sociais próprias, e a mistura entre elas resultaria na degeneração daquela considerada mais desenvolvida (a branca), embora ajudasse as outras raças inferiores (negra e amarela) a se desenvolver. Quanto mais uma nação fosse miscigenada, como o Brasil, maior seria o grau de degeneração observado. Com base nessa interpretação, alguns pensadores passaram a defender o “branqueamento” da população brasileira como solução para o desenvolvimento do país, nos moldes da sociedade europeia. Entre eles destacam-se o médico e antropólogo Nina Rodrigues e o jurista e historiador Oliveira Vianna.
Para Cesare Lombroso, a diferença entre uma pessoa honesta e uma pessoa criminosa estaria relacionada a aspectos físicos. Seus estudos procuraram no organismo humano características próprias dos criminosos. As ideias de Lombroso tiveram grande repercussão em diversas áreas do conhecimento, influenciando pesquisadores na Europa e na América Latina.
A difusão dessas ideias contribuiu para a efetivação do racismo como ação política e ideológica. O critério racial passou a ser elemento explicativo de diferenças de aptidão, de modos de viver e de ocorrências de tendências criminosas. A combinação das características físicas herdadas por uma pessoa com certos traços de sua personalidade, inteligência ou cultura indicaria a existência de raças humanas naturalmente inferiores ou superiores a outras. Essa falsa ideia levou muitos a acreditarem num determinismo dos caracteres biológicos, herdados da natureza, sobre os traços da personalidade e da cultura.
O racismo supõe a existência de “raças” humanas e a caracterização biogenética de fenômenos puramente sociais e culturais. Além disso, também é uma modalidade de dominação ou uma maneira de justificar a dominação de um grupo sobre outros inspirada nas diferenças fenotípicas da espécie humana.
A ideologia racial teve grande sucesso no Brasil do século XIX. A ideia da superioridade dos brancos europeus foi bem-aceita por parte dos intelectuais da época, especialmente médicos, advogados e políticos, os quais desejavam construir um país à semelhança da Europa. O movimento abolicionista e mesmo a abolição da escravidão, em 1888, não foram capazes de alterar essa ideia. Os negros e mestiços se viram, em sua maioria, relegados a posições subalternas na sociedade brasileira, e suas práticas culturais, como o samba, a capoeira e o candomblé, foram muitas vezes criminalizadas.
Como consequência os grupos dominantes implementaram um conjunto de políticas de imigração que favoreciam a mão de obra europeia com instrumentos legais (leis, decretos etc.). Além das razões econômicas, buscou-se estimular a miscigenação da população brasileira com a europeia para promover o “branqueamento” da sociedade.
Para aqueles que pensavam assim naquela época, o negro e o mestiço representariam o atraso da sociedade brasileira rumo ao progresso e à modernidade, bem como um empecilho para a construção da identidade nacional.


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