A análise dos
fenômenos sociais de nosso cotidiano nos permite perceber a mútua influência
entre cultura e ideologia, seja no modo pelo qual os grupos e as classes
sociais expressam, em práticas e saberes, sua compreensão e sua trajetória no
mundo, seja na forma pela qual essa trajetória é interpretada e valorizada
socialmente.
Em cada
momento e contexto sócio-histórico, determinados padrões de comportamento são
valorizados e outros tratados como secundários ou até rejeitados. Essa condição
depende da relação estabelecida entre os diversos conjuntos de indivíduos no
processo de interação social. Tal processo é marcado pelos interesses distintos
de cada um desses grupos e pela tentativa das classes dominantes de tornar seus
modelos referência para as demais classes.
Desse modo, a relação entre as diversas expressões da cultura, os grupos sociais que desenvolvem, seu reconhecimento social e a relação dessas manifestações com o modo de produção capitalista representam como, em nossa sociedade, as relações entre cultura e ideologia são construídas e efetivadas nas relações sociais.
Desse modo, a relação entre as diversas expressões da cultura, os grupos sociais que desenvolvem, seu reconhecimento social e a relação dessas manifestações com o modo de produção capitalista representam como, em nossa sociedade, as relações entre cultura e ideologia são construídas e efetivadas nas relações sociais.
Uma
manifestação cultural de origem popular como o funk carioca pode ser caracterizada como expressão social de
parcela das classes dominadas da sociedade brasileira. Apesar da origem
estadunidense, o funk foi ressignificado pelas populações da periferia das metrópoles
brasileiras, que dele se apropriaram e se tornou uma de suas referências na
construção da identidade social.
Por causa
dessa origem popular, o funk e frequentemente visto como uma manifestação
cultural de menor valor. Aqueles que dançam ou cantam suas músicas sofrem
preconceito e discriminação, pois praticam uma arte considerada inadequada para
os padres dominantes. Muitas vezes, o funk também e associado à criminalidade e
até mesmo proibido pelas autoridades policiais.
Entretanto, como gera retorno financeiro significativo, em determinados contextos esse tipo de expressão musical é encampado pelos meios de comunicação de massa e se toma uma mercadoria difundida socialmente. O caso do funk mostra como a cultura (práticas, saberes, valores) está sempre articulada com a ideologia (interpretação, compreensão, difusão de ideias) e com os interesses econômicos dominantes.
Entretanto, como gera retorno financeiro significativo, em determinados contextos esse tipo de expressão musical é encampado pelos meios de comunicação de massa e se toma uma mercadoria difundida socialmente. O caso do funk mostra como a cultura (práticas, saberes, valores) está sempre articulada com a ideologia (interpretação, compreensão, difusão de ideias) e com os interesses econômicos dominantes.
As diversas
faces da cultura
A cultura é
produção humana e o pode hierarquizada, pois não é possível justificar qual seria
o padrão cultural a ser tomado como critério de diferenciação. Dizer que
determinada prática cultural tem mais valor que outra é afirmar o etnocentrismo.
Porém, isso não significa que não possamos relacionar a produção cultural com
os grupos que as geraram. Sendo assim, é possível afirmar que a cultura possui
diversas faces, que, em grande medida, representam os grupos, sujeitos e
contextos dos quais surgiram.
Cultura erudita
e cultura popular
Chamamos cultura erudita a prática, os costumes e
os saberes produzidos pelas elites ou para elas. Normalmente, tais práticas e
saberes estão relacionados a produção cultural das classes dominantes, que
procura se distinguir do que é produzido pelas outras classes.
A cultura popular, por sua vez, refere-se
às práticas, aos costumes e aos saberes que têm sua origem nas casses
dominadas ou populares. Representa o conjunto de
manifestações culturais cuja origem remete às experiências cotidianas daqueles que
não pertencem as classes dominantes. Se afirmamos que a cultura erudita está ligada
à cultura oficial, institucionalizada, devemos entender que a cultura popular
expressa o saber não oficial, ou não institucionalizado.
Pelo fato de
as práticas culturais efetivarem as visões de mundo das diversas classes
sociais, devemos entender que a dinâmica da relação entre cultura erudita e
popular também está inserida nesse contexto. Sendo assim, elementos da cultura
erudita podem ser utilizados para reforçar a dominação das elites sobre o povo.
Ou seja, a difusão de determinada forma de linguagem ou sotaque como padrão
nacional pode indicar o estabelecimento do domínio linguístico e cultural de um
grupo sobre os demais.
Por
outro lado, na tentativa de construir valores contra-hegemônicos, membros de
classes dominadas podem se valer de elementos da cultura popular como
estratégia para se oporem aos padrões estabelecidos pelas classes dominantes. A
valorização do folclore de diversas partes do Brasil constitui uma possibilidade
de difusão das experiências e visões de mundo das classes dominadas, ao mesmo
tempo que fornece alternativa ao modo de ver e explicar o mundo das classes
dominantes.
Quem escreveu
sobre isso
Com o advento
da consolidação do capitalismo, uma nova forma de expressão cultural foi
desenvolvida. É a chamada cultura de
massa, que se caracteriza por transforma as práticas, os saberes e os
costumes das diferentes e classes em mercadoria. Como veremos mais adiante, a
cultura de massa é produzida pelos meios de comunicação de massa e pautada por
interesses comerciais. Uma de suas consequências é a ofuscação das diferenças
entre as culturas popular e erudita, que, ao serem incorporatadas à cultura de
massa, perdem sua importância específica no cenário social contemporâneo.
É imporante
resaltar que, diferentemente do que afirmam os meios de comunicação, cultura de
massa a cultura de massa também possui carater ideológico. Seu atrelamento aos
interesses capitalistas a transforma numa expressão crucial da visão de mundo das
classes dominantes, ditando comportamentos padronizados e colaborando de
maneira central na consolidação dos valores típicos do sistema capitalista.
Indústria
cultural e meios de comunicação de massa
Na análise das relações entre cultura e ideologia, uma
temática relevante para as Ciências Sociais é a discussão das relações entre
cultura de massa, indústria cultural e meios de comunicação de massa. A
proximidade dos conceitos parece indicar uma coi sa só, mas eles constituem
elementos distintos na estratégia de consolidação da ideologia capitalista.
Uma questão
interessante é que, diferentemente das culturas erudita e popular, que são
produzidas respectivamente pelas elites e pelas classes populares, a cultura de
massa, ao contrário do que o nome sugere, não é produzida pelas massas, mas
para as massas. Ela é gerada no interior da indústria cultural, conjunto de empresas vinculadas a classe
dominante que tem como função "produzir" cultura. Mas como produzir
industrialmente algo que, como vimos antes, surge das práticas cotidianas dos
diferentes grupos e classes sociais?
O filósofo Theodor Adorno |
Theodor Adorno
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Theodor Wiesengrund
Adorno (1903-1969) nasceu a Alemanha e, como professor Universidade de
Frankfurt, participou da fundação do Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) no
início dos anos de 1920. Reunindo nomes como Walter Benjamin, Max Horkheimer e
o próprio Adorno, o IPS propôs uma teoria social engajada, de base marxista,
sendo responsável pela criação de conceitos como “indústria cultural”. Entre
as principais obras de Adorno está A
indústria Cultural: o iluminismo como mistificação das masa de 1947.
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Isso acontece
pela massificação de saberes e padrões de comportamento que interessam as
classes dominantes, para que sejam adotados como referência pelas casses
dominadas. Por meio de inúmeros produtos (novelas, filmes, livros, shows,
programas de TV. revistas etc), há uma difusão de elementos culturais que tem
como premissa a consolidação de valores e comportamentos que reforçam a ordem
social capitalista. Para isso, esses produtos incentivam o consumo, a
padronização dos gostos, em um processo em que prevalece a busca pelo lucro.
Os meios de
comunicação de massa (televisão, radio, cinema, jornais etc), que são os
principais veículos de divulgação da cultura de massa, exercem papel essencial
nesse contexto. São eles os responsáveis por transmitir os ideais das classes
dominantes para o conjunto da sociedade, de forma que, no caso de obtenção de
sucesso, possam consolidar seu controle hegemónico sobre as classes dominadas.
Por exemplo,
quando um programa jornalistico de uma emissora de televisão apresenta uma
noticia, o modo como são narrados os fatos ou apresentadas as entrevista não é
neutro. Procura-se construir determinado olhar sobre a realidade que representa
a visão dos donos do veículo de comunicação em que a informação está sendo divulgada.
Diante da rotina cotidiana das classes trabalhadoras, o principal modo de obter
informações é por meio da televisão. Por conta disso, a maneira como essas
pessoas vão interpretar os acontecimentos será influenciada pela forma como a
emissora e seu telejornal apresentarem os fatos. Assim, a televisão é um veículo
essencial para a difusão da cultura e da ideologia dominantes.
Essas e outras
questões fizeram com que as Ciências Sociais estudassem os vínculos entre
cultura e poder. O estudo da cultura sob a perspectiva das relações de poder e
dominação (ou controle social) levou Theodor Adorno e Max Horkheimer
(1895-1973) a criarem, em meados dos anos 1940, o conceito de industria
cultural. Esse conceito foi elaborado para designar o modo como se produz
cultura, com base na padronização verificada em qualquer outra produção
industrial. Foi com o advento da Revolução Industrial que se pode fabricar em
grande escala produtos padronizados, o que serviu de mola para o surgimento de
uma sociedade de consumo. Assim, as empresas responsáveis pela produção em
massa de bens culturais como mercadona fazem parte da indústria cultural.
De acordo
com Adorno, a produção da cultura passou ter como principal finalidade o lucro.
Esse processo de mercantilização tornou-se um obstáculo para a arte exercer sua
autonomia de criticar a sociedade, já que nesse sistema de produção ela
passaria prioritariamente pelos administradores e técnicos responsáveis por
tornar os produtos mais rentáveis e aceitos pelos consumidores. Além disso, a
necessidade de consumo, caracterizada pela insaciabilidade, está intimamente ligada
à difusão da ideologia capitalista pela indústria cultural e pelos meios de
comunicação de massa.
A cultura de
massa, como produto da indústria cultura se sustenta oferecendo divertimento e
produzindo conformismo. A diversão propiciada pelos produtos da indústria
cultural muitas vezes mascara os conflitos existentes na sociedade. O
conformismo refere-se à aceitação tácita da realidade social, tal como mostrada
pelos meios de comunicação, que não lhe fazem nenhuma crítica. O divertimento e
o entretenimento reforçam a naturalização das situações de opressão e desigualdade
apresentadas nos filmes, nas telenovelas e nas séries televisiva.
Esse
processo de naturalização e conformismo produz a alienação das massas. Funciona
como mecanismo de controle social, pois neutraliza a possibilidade de o individuo
entender e criticar os padrões de relações sociais aos quais está submetido.
Assim, a ideologia dominante transmitida por esses produtos culturais permite a
reprodução das relações de dominação na sociedade.
Cultura,
ideologia e identidade cultural no século XXI
Desde o século
XIX, o telégrafo o rádio, o telefone e o cinema vinham alimentando o desejo
humano da ubiquidade, que significa a capacidade de estar presente em todos os
lugares ao mesmo tempo. A partir dos anos 1970, a fusão das telecomunicações
analógicas com a informática provocou uma transformação no modo como circulam
as informações, permitindo uma comunicação multidirecional, desenvolvendo o que
o sociólogo espanhol Manuel Castells (1942-) denomina sociedade da informação.
A
análise sociológica da sociedade da informação tenta compreender as
transformações sofridas pelas sociedades contemporâneas graças ao impacto da
revolução digital. A indústria geradora de serviços e de conteúdos digitais
passa a ter importância fundamental na formação de comportamentos e hábitos de
consumo. No entanto, o modo como essas mudanças ocorrem não pode ser
compreendido sem que se perceba que a tecnologia não está apartada da produção
social nem da cultura.
As
tecnologias, bem como a linguagem e as instituições sociais, são parte da construcões
humanas. Elas são produto da sociedade e da cultura, e tanto sua criação quanto
o seu uso constituem nossa própria noção de humanidade. Assim, elas não são
neutras, e o desenvolvimento tecnológico se orienta por interesses que podem
considerar ou não as desigualdades sociais e os abismos digitais.
Na
atualidade, as tecnologias digitais, além de representarem o avanço dos meios
de comunicação, constituem um campo fecundo para os negócios do capitalismo.
Por isso, é importante considerar os contextos culturais e ideológicos nos
quais essas tecnologias são utilizadas. Por exemplo, os diversos usos que
fazemos das redes sociais on-line são
influenciados pelo conjunto de visões de mundo em disputa na sociedade, assim
como pelos interesses comerciais e políticos de empresas e governantes.
Uma visão otimista da expansão das tecnologias da
informação e desenvolvida pelo filósofo francês Pierre Levy (1956-). Para ele,
a propagação das redes sociais on-line
pode transformar as relações culturais e politicas, gerando novos modos de
exercício da cidadania e da democracia no que ele chama de cibercultura. Nesse aspecto, entende-se que o espaço digital poderá
concretizar seu potencial politico ao ser habitado por culturas cada vez mais
diversas e participativas. Um exemplo desse uso politico das redes sociais são
as manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013, em que essas redes
tiveram papel central na organização dos protestos.
Nesse novo
contexto social, ganham destaque as tribos urbanas e seu papel na formação das
identidades juvenis. Caracterizadas por se constituírem como grupos
identitários que questionam os padrões de comportamento e a expressão cultural dominantes,
as tribos urbanas surgem nas última décadas do século XX e ganham, na sociedade
da informação, diversidade e amplitude geográfica gerando novos e múltiplos
sentidos e formas de pertencimento para a juventude. A maneira como os vínculos
sociais se difundem pela internet consolida e estabelece uma nova ordem comunicativa,
na qual a solidariedade da tribo fortalece e se redefine pelas redes eletrônicas.
Nesse sentido,
a logica da identidade, baseada em padrões mais estáveis de individualidade, se desloca
para as identificações sucessivas de caráter mais fluido, relacionados ao ritmo
e à superposição das tribos, o que remete a uma concepção plural de sujeito. O
sociólogo franco-tunisiano Michel Maffesoli (1944-) aponta a formação das
tribos urbanas como reação ao processo de homogeneização promovido pela cultura
de massa e pela indústria cultural.
Assim,
as tribos surgem e vinculam-se com base em interesses contextuais e
identificações com elementos específicos da cultura urbana. A partir dai,
podemos dizer que, ainda que na sociedade de massas haja uma predominância das
influências exercidas pelos meios de comunicação de massa na formação das
práticas culturais e das ideologias, existe espaço para que formas alternativas
de concepção de mundo e de comportamentos possam se desenvolver e indicar
novos caminhos para nossas ações e decisões cotidianas.
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