Vivemos em um mundo de comunicações: cotidianamente,
entre outras atividades, vemos televisão, fazemos pesquisas na internet
contatamos amigos por e-mail, mensagens instantâneas e sites de relacionamento,
ouvimos música em fones de ouvido enquanto andamos nas ruas, vemos filmes e
propagandas, lemos jornais e revistas, escutamos rádio. Estamos mergulhados
tanto na cultura como a ideologia. Vamos tentar entender essa realidade à luz
da Sociologia.
Dominação e controle
Ao analisar a cultura e a ideologia, vários
autores procuram demonstrar que esses dois conceitos não podem ser utilizados
separadamente, pois há uma profunda relação entre eles, sobretudo no que diz
respeito ao processo de dominação nas sociedades capitalistas.
O pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1931)
analisa essa questão com base no conceito de hegemonia (palavra de origem grega
que significa "supremacia", “preponderância”) e no que ele chama de
aparelhos de hegemonia.
Por hegemonia pode-se entender o processo pelo
qual uma classe dominante consegue que seu projeto seja aceito pelos dominados,
desarticulando a visão de mundo autônoma de cada grupo potencialmente adversário.
Isso e feito por meio dos aparelhos de hegemonia, que são instituições no
interior do Estado ou fora dele, como o sistema escolar, a igreja, os partidos políticos,
os sindicatos e os meios de comunicação. Nesse sentido, cada relação de
hegemonia é sempre pedagógica, pois envolve uma prática de convencimento de
ensino e aprendizagem.
Para Gramsci, uma classe se torna hegemônica
quando, além do poder coercitivo e policial, utiliza a persuasão, produz o
consenso, que é desenvolvido mediante um sistema de ideias muito bem elaborado
por intelectuais a serviço do poder para convencer a maioria das pessoas. Por
esse processo, cria-se uma cultura dominante efetiva que deve penetrar no senso
comum de um povo, com o objetivo de demonstrar que a visão de mundo daquele que
domina é a única possível.
A ideologia não e o lugar da ilusão e da
mistificação, mas o espaço da dominação, que não se estabelece somente com o
uso legítimo da força pelo Estado, mas também pela direção moral e intelectual
da sociedade como um todo, baseada nos elementos culturais de cada povo.
Naturalização
da corrupção: isso foi, é e será sempre assim...
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Mas Gramsci aponta também a possibilidade de
haver um processo de contra-hegemonia desenvolvido por intelectuais orgânicos,
vinculados a classe trabalhadora, na defesa de seus interesses. Contrapondo-se
a inculcação dos ideais burgueses por meio da escola, dos meios de comunicação
de massa, etc. combatem nessas mesmas frentes, defendendo outra forma de
pensar, agir e sentir na sociedade em que vivem.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002)
desenvolveu o conceito de violência simbólica para identificar formas culturais
que impõe e fazem aceitemos como normal (como verdade que sempre existiu e não
pode ser que questionada) um conjunto de regras não escritas nem ditas. Ele usa
a palavra grega doxa (que significa
"opinião”) para designar esse tipo de pensamento e prática social estável,
tradicional, em que o poder apare como natural.
Dessa ideia nasce o que Bourdieu define come
naturalização da história, condição em que os fatos sociais, independentemente
de ser bons ou ruins, passam por naturais e tornam-se uma verdade para todos.
Um exemplo evidente é a dominação masculina vista em nossa sociedade como algo
"natural", já que as mulheres são naturalmente mais fracas e sensíveis
e, portanto, devem se submeter aos homens. E muitos aceitam essa ideia e dizem
que “isso foi, é e será sempre assim".
Bourdieu declara que é pela cultura que os dominantes
garantem o controle ideológico, desenvolvendo uma prática cuja finalidade é
manter o distanciamento entre as classes sociais. Assim, existem práticas
sociais e culturais que distinguem quem é de uma classe ou de outra: os “cultos”
têm conhecimentos científicos, artísticos e literários que os opõem aos
"incultos”. Isso é resultado de uma imposição cultural violência simbólica
que define o que é ter cultura.
Os pensadores alemães Theodor Adorno
(1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) procuraram analisar a relação entre
cultura e ideologia com base no conceito de indústria cultural. Apresentaram
esse conceito em 1947, no texto indústria cultural: o esclarecimento como
mistificação das massas. Nele, afirmaram que o conceito de indústria cultural
permitia explicar o fenômeno da exploração comercial e a vulgarização da
cultura.
A preocupação básica de Adorno e Horkheimer era
a emergência de empresas interessadas na produção em massa de bens culturais,
como se fossem mercadorias (como roupas, automóveis, sabonetes, etc.). Essas
empresas visam exclusivamente ao consumo, tendo como fundamentos a
lucratividade e adesão incondicional ao sistema dominante.
Nos filmes de ação, por exemplo, o espectador é
tranquilizado com a promessa de que o vilão tem um castigo merecido. Tanto os
sucessos cinematográficos quanto os musicais parecem dizer que a vida tem
sempre as mesmas tonalidades e que devemos nos habituar a seguir os compassos
previamente marcados. Dessa forma, sentimo-nos integrados a uma sociedade
imaginaria, sem conflitos e sem desigualdades.
ADORNO
Televisão e ideologia
[...] Em primeiro lugar, compreendo
"televisão como ideologia" [...], ou seja, a tentativa de incutir
nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de,
como se costura dizer tão bem, procurar-se impor as pessoas um conjunto de
valores como se fossem dogmaticamente positivos. Além disto, contudo, existe
ainda um caráter ideológico formal da televisão, ou seja, desenvolve-se uma
espécie de vicio televisivo em que por fim a televisão, como também outros
veículos de comunicação de massa, converte-se pela sua simples existência no
único conteúdo de consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de
sua oferta daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto e
sua prioridade [...] Contudo quero destacar também o que considero ser o
perigo especifico [...]. Trata-se dessas situações inacreditavelmente falsas,
em que aparentemente certos problemas são tratados, discutidos e apresentados
[...]. Tais problemas são ocultos sobretudo na medida em que parece haver
soluções para todos esses problemas, como se a amável vovó ou o bondoso tio
apenas precisassem irromper pela porta mais próxima para novamente consertar
um casamento esfacelado. Eis aqui o terrivel mundo dos modelos ideais de uma
vida saudável", dando aos homens uma imagem falsa do que seja a vida de
verdade, e que além disto dando a impressão de que as contradições presentes
desde os primórdios de nossa sociedade poderiam ser superadas e solucionadas
no plano das relações inter-humanas, na medida em que tudo dependeria das
pessoas. [...]
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação,
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. P. 79-84
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Adorno e Horkheimer apontaram a possibilidade
de homogeneização das pessoas, grupos e classes sociais. Colocando a felicidade
imediatamente nas mãos dos consumidores mediante a compra de alguma mercadoria
ou produto cultural, a indústria cultural seduziria todas as classes, criando
assim a uniformização dos modos de pensar, agir e sentir.
JOHN MINCHILLO/AP/GLOW
IMAGES
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Quinta Avenida Nova York, 21 de setembro de
2012. Aglomeradas diante de uma loja de produtos eletrônicos centenas de
pessoas compartilharam o mesmo desejo: ser o primeiro comprador da versão mais
recente de um smartphone. O vencedor comemora.
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