Desde a Idade Moderna, o
exercício do poder político legítimo é considerado em nossa sociedade uma
atividade própria do Estado. Um dos primeiros estudiosos a fornecer as bases
para essa concepção foi o historiador e diplomata italiano Nicolau Maquiavel
(1469-1527), que acompanhou atentamente a centralização política que ocorria em
outras partes da Europa. Com base em análises de fatos de sua época e de outros
períodos, Maquiavel buscou orientar aquele que pudesse unificar as cidades italianas
em um Estado, a fim de que não permanecessem vulneráveis aos exércitos de
outras nações.
Embora aconselhe ao soberano
que se faça temido pelos governados (inclusive com o uso da força), Maquiavel
adverte que ele não pode ser odiado. Vê-se então, desde essa época, a ideia de
que, para aceitar a dominação, a sociedade precisa considerá-la legítima.
Hoje, pode-se afirmar que o
Estado tem como função assegurar, por meio de políticas públicas, certas
condições de vida que a sociedade considera necessárias à população. Não há, no
entanto, unanimidade quanto ao papel dessa instituição social, tampouco quanto
às interpretações teóricas a respeito dela. É fato que esse é um tema
controverso.
Concepções
de Estado e sociedade civil na Idade Moderna
A primeira definição de
sociedade civil foi elaborada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679).
Ele acreditava que, em seu estado natural, os homens lutavam uns contra os
outros pelo poder e por riquezas. Por isso, os indivíduos abrem mão de sua
liberdade e concebem regras de convivência a fim de garantir condições mínimas
de estabilidade. Forma-se, assim, a sociedade civil – que, no pensamento de
Hobbes, é sinônimo de Estado.
Para o filósofo inglês John
Locke (1632-1704), a sociedade civil é mais um aprimoramento do estado natural
do que uma solução para ele. O homem, livre e igual por natureza, precisa de um
poder imparcial e legítimo para mediar conflitos, garantindo os direitos que já
tinha no estado natural: à vida, à liberdade, à saúde e à propriedade. Além da
ideia de igualdade no nascimento, o respeito à propriedade como um direito
natural do homem está em conformidade com os fundamentos liberais da burguesia
em ascensão na Inglaterra do século XVII.
Conforme a burguesia e o Estado
moderno se consolidavam na Europa, a noção de sociedade civil foi se
distanciando da de sociedade política. Durante a Idade Média, tanto o poder
como a propriedade eram hereditários. Na sociedade burguesa moderna, esses dois aspectos se desvinculam: embora, na
sociedade civil, a propriedade continue sendo transmitida de pai para filho, o
poder político passa a obedecer a normas e leis próprias. Segundo o cientista
político italiano Luciano Gruppi (1920-2003), garante-se a democracia no âmbito
da sociedade política, desde que esta não interfira na propriedade e na livre
iniciativa econômica.
Se Locke considerava a
propriedade privada um direito natural, para o filósofo suíço Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) ela era justamente a origem da desigualdade e da corrupção
moral. A sociedade civil, instaurada com a invenção da propriedade, seria uma
degeneração do estado de natureza, no qual os seres humanos eram bons, livres e
felizes.
Para Rousseau, os indivíduos só
recuperariam as qualidades perdidas quando a sociedade civil se transformasse
em sociedade política, na qual a vontade geral do povo seria soberana – ou
seja, na qual as leis e regras a serem seguidas emanassem do próprio povo.
O que é e como funciona o
Estado? Não há uma visão única sobre isso. Na interpretação do filósofo alemão
Friedrich Engels (1820-1895), o Estado é um produto da sociedade e seu papel é
amortecer os conflitos sociais, evitar os choques entre as classes e, de certo
modo, assegurar a reprodução do sistema social. Eis a sua concepção:
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade
de fora para dentro; tampouco é “a realidade da ideia moral”, ou “a imagem e a
realidade da razão”. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um
determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se
enredou numa irremediável contradição consigo mesma e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis [...]. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril,
torna-se necessário um poder colocado aparentemente acima da sociedade, chamado
a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Esse poder,
nascido da sociedade, mas posto acima dela e distanciando-se cada vez mais, é o
Estado.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade
privada e do Estado. São Paulo: Global, 1985. p. 227.
Já o filósofo político grego
Nicos Poulantzas (1936-1979) pensa o Estado como uma relação de forças, uma
relação de poder entre as classes sociais e no próprio interior delas. Para
Louis Althusser (1918-1990), f ilósofo francês, o Estado é composto por
aparelhos ou instituições sociais (como é o caso do exército, da administração,
do sistema judiciário e do aparato da polícia) e tem por função a repressão, ou
seja, a manutenção da ordem social. Esta, por sua vez, é moldada pelos
interesses da classe dominante, que faz com que o Estado esteja a seu serviço.
Na concepção do sociólogo Max Weber, o Estado só pode existir quando os seres humanos se submetem à autoridade de um grupo dominante. Nesse sentido, quando essa instituição se constitui, estabelece-se uma relação de “dominação do homem sobre o homem”, um “monopólio da violência legítima”. Em outras palavras, trata-se da obediência da população a um grupo dominante mediante uma violência reconhecida e amparada legalmente.
Interpretações
sobre a natureza do Estado na perspectiva de diferentes pensadores:
Karl Marx (1818-1883) |
No Estado prevalece o poder organizado de uma classe social que é dominante por deter a propriedade dos meios materiais de produção. Há na estrutura da sociedade dois níveis articulados: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura comporta a unidade de forças produtivas e relações de produção; já a superestrutura é composta das instâncias jurídico-política (o Direito e o Estado) e ideológica (a moral, a ciência, a filosofia, etc.). |
Friedrich Engels (1820-1895) |
O Estado é um produto da sociedade e tem como papel amortecer os
conflitos, os choques entre as classes e assegurar a reprodução do sistema
social. |
Max Weber (1864-1920) |
O Estado existe quando há obediência à autoridade de um grupo
dominante e essa relação de dominação está fundada na violência legítima,
legalmente reconhecida. |
Antonio Gramsci (1891-1937) |
O Estado tem papel importante nos campos cultural e ideológico, bem
como na organização do consentimento – ou seja, busca legitimar-se perante a
sociedade civil não apenas pela coerção, mas, sobretudo, pela aceitação da
autoridade. |
Louis Althusser (1918-1990) |
As relações de poder necessitam de instituições que as reproduzam –
escola, família, igreja, veículos de comunicação, que são os aparelhos
ideológicos do Estado. O poder e a ideologia, fenômenos correlatos, são
exercidos por essas organizações formais mediante símbolos e práticas
sociais. |
Nicos Poulantzas (1936-1979) |
Embora o Estado capitalista não seja um instrumento totalmente
controlado pela classe dominante, devido às lutas entre as frações que a
compõem, ele fornece o quadro para que os operários não se reconheçam como
integrantes de uma mesma classe. Isso ocorre com a criação de noções como a
de identidade nacional, que submetem todos a um conjunto unificado de regras
e instituições. |
Octavio Ianni (1926-2004) |
O Estado não é apenas um órgão da classe dominante, pois responde aos
movimentos das outras classes sociais e age conforme as determinações das
relações entre elas. Ele faz parte do jogo de interesses sociais.
|
ENCONTRO COM OS CIENTISTAS SOCIAIS
É conveniente definir o
conceito de Estado em correspondência com o moderno tipo do mesmo – já que em
seu pleno desenvolvimento é inteiramente moderno – mas com abstração de seus fins concretos e variáveis, tal como o vivemos. Caracteriza hoje formalmente ao
Estado o ser uma ordem jurídica e administrativa – cujos preceitos podem variar
– pela qual se orienta a atividade [...] que se pretende válida aos membros da
associação – que a ela pertencem essencialmente por nascimento – como também
toda ação executada no território a que se estende a dominação [...]. É,
portanto, característico: que hoje só exista coação “legítima” desde que a
ordem estatal o permita ou prescreva.
WEBER, Max. Economía y sociedad. v. 1. Bogotá: Fondo de
Cultura Económica, 1977. p. 45. Texto traduzido.
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