As crises econômicas, que de
tempos em tempos atingem a sociedade capitalista em razão da insuficiência do
sistema em dar respostas ao processo de acumulação, fazem com que empresários,
gestores e administradores promovam alterações nas formas de produzir e de
controlar o trabalho. Foi assim que, durante o século XX, predominou em nossa
sociedade, ainda que não de modo uniforme, uma forma específica de produção com
controle sobre o trabalho, denominada fordismo.
O fordismo se consolidou como
um sistema de produção no contexto da crise de 1929 e da Grande Depressão dos
anos 1930, quando o governo norte-americano passou a adotar práticas keynesianas, isto é, a intervir
na economia e nas relações de trabalho como forma de saída da crise
capitalista. Mas o fordismo não nasceu nessa crise. Então, em que consiste e
quais são as suas origens?
Práticas
keynesianas Inspiradas nas ideias do economista inglês John
Maynard Keynes (1883-1946), que defendia maior regulação do mercado pelo
Estado a fim de garantir o pleno emprego para a população. |
O fordismo consiste em um
sistema de produção em massa cuja palavra-chave é padronização (tanto das
tarefas quanto do produto). Esse sistema, que articula inovações técnicas e
organizacionais visando a otimização
da produção e o consumo em massa, foi empregado pelo industrial Henry Ford
(1863-1947) em sua fábrica de automóveis, sediada em Detroit (Estados Unidos),
nas primeiras décadas do século XX. Por meio da criação de linhas de montagem,
nas quais os operários ficavam parados enquanto as peças se movimentavam em
esteiras rolantes, cada trabalhador executava apenas uma etapa do processo de
trabalho.
Para aumentar a produtividade,
o fordismo associou-se ao taylorismo, modo extremamente racional de uso do
tempo e de movimentos do trabalhador no chão da fábrica. O taylorismo foi
desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor
(1865-1915), também com vistas a otimizar a produção.
Otimização Forma de obter melhores condições para algo. No
contexto de produção, significa produzir mais em menos tempo ou com menos
recursos. |
Os trabalhadores são treinados para
a alta produtividade mediante o uso eficiente do tempo, a divisão de
atividades, a separação entre concepção e execução das tarefas e a economia de
movimentos exercidos em cada função. Essa racionalização científica do tempo e
dos movimentos leva à especialização e à intensificação do ritmo de trabalho,
visando ao controle dele.
Associados, o fordismo e o
taylorismo constituíram um eficiente sistema de produção que se espalhou também
para outros setores econômicos, além da indústria. O consagrado filme Tempos
modernos, de Charles Chaplin, aborda de forma irônica o trabalho de tipo
fordista-taylorista e suas consequências para os indivíduos.
Depois de duas grandes guerras
e em meio à corrida desenvolvimentista entre as potências mundiais, nos anos
1960 e 1970, ocorreram importantes mudanças no âmbito do trabalho. Para
adaptarem-se às oscilações do mercado, as empresas implantaram um conjunto de
inovações tecnológicas (derivadas da informática e da robótica) e
organizacionais, que alteraram a maneira de gerir o trabalho. Mais uma vez,
soluções produtivas surgiram como resposta a uma crise capitalista, a chamada
"crise do petróleo". Dessa vez, o modelo veio do Japão.
O Japão, que tinha sido
arrasado na Segunda Guerra Mundial, estava experimentando uma nova forma de
organização da produção, mais flexível, criada por Taiichi Ohno e introduzida
na fábrica de veículos Toyota, na década de 1950, que se espalhou para outros
países do mundo. Nesse modelo de produção, denominado toyotismo (ou modelo japonês), a produção é comandada pela demanda
do mercado e não trabalha com grandes estoques de insumos e de
mercadorias.
Insumo Termo empregado na economia para se referir aos
elementos necessários para produzir mercadorias ou serviços, tais como as
matérias-primas, os equipamentos, o capital, etc. |
A introdução de mais máquinas, equipamentos,
programas, processos e novas formas de administrar os empregados levou à
diminuição geral dos custos, a um maior controle sobre os trabalhadores e à
redução de mão de obra utilizada. A esse modo de produzir, altamente flexível e
com economia de recursos, convencionou-se chamar produção enxuta. O processo de trabalho tornou-se mais flexível nas
empresas que adotaram o toyotismo, no seguinte sentido: a mão de obra é
multifuncional, ou seja, o trabalhador deve se adequar a diferentes funções; há
controle visual da produção, com a supervisão de todas as etapas, buscando a
qualidade do produto final; e a produção é estabelecida segundo a demanda e a
necessidade de produtos personalizados.
Para muitos autores o modelo
toyotista substituiu o fordismo. No entanto, diversas pesquisas realizadas
pelos sociólogos do trabalho demonstraram que o fordismo não desapareceu. A
racionalização da produção, com a adoção de alguns princípios característicos
do toyotismo, em muitos casos configurou sistemas de produção híbridos,
fordistas-toyotistas. O fato é que, com essas e outras mudanças no âmbito da
política, inaugurou-se um tempo de grande flexibilidade não apenas na produção,
mas também nas relações sociais e do trabalho, nas bases econômicas e
geográficas, como atesta a dinâmica produtiva das empresas transnacionais.
A Terceira Revolução Industrial (ou Revolução
Tecnológica), ocorrida a partir dos anos 1970, automatizou o trabalho,
introduziu a informática e a robótica, desenvolvendo a capacidade de
acumular, armazenar, processar e distribuir informações. |
A maneira de produzir transitou da rigidez das formas de organização taylorista-fordistas, nas quais cada pessoa detinha um posto de trabalho e uma máquina, para a flexibilização na produção, no trabalho e nos mercados. Isso não significa que a produção fordista tenha desaparecido, mas que essas formas de produção podem até coexistir em uma mesma empresa, quando se combinam elementos do fordismo, do taylorismo e de sistemas flexíveis de produção.
Essa reorganização da produção, baseada na inovação de equipamentos, na flexibilidade de tempo e de mão de obra, na redução do custo e no controle da qualidade, é denominada reestruturação produtiva. Desenvolvida nos países capitalistas centrais nas décadas de 1970 e 1980, ela chegou ao Brasil com intensidade nos anos 1990, período marcado por ajustes nas relações trabalhistas. Nesse contexto, é importante conhecer as alterações que acontecem nas relações de trabalho, uma vez que essas se compõem de um conjunto de leis e normas sociais reguladoras da compra e venda da força de trabalho e também dos conflitos resultantes.
Presente na indústria e nos serviços, a produção flexível acontece por encomenda, utiliza técnicas que produzem mais em menos tempo e com menor número de trabalhadores. Ela se diferencia tipicamente da produção fordista, que é baseada na produção em massa, com altos níveis de estoque e rígido controle sobre o trabalhador. O uso de máquinas complexas na agricultura, por exemplo, permitiu o cultivo de extensas áreas rurais, que favoreceu a competição na venda mundial de grãos, mas reduziu drasticamente o emprego de trabalhadores. Algumas dessas mudanças podem ser vistas no quadro da próxima página, no qual são comparadas as principais características dos dois sistemas de produção em países de capitalismo avançado, levando em conta o mercado, a produção, a organização do trabalho, as inovações técnicas e organizacionais e a estruturação das fábricas.
O sistema de produção taylorista-fordista e o sistema de produção flexível
Aspectos considerados |
Sistema de produção taylorista-fordista
(predominante no período de 1930 a 1970) |
Sistema de produção flexível (em expansão desde a década de 1970) |
Mercado |
Objetiva o consumo de massa. |
Objetiva atingir nichos específicos de
mercado. |
Produção |
• Produção em massa. • Rigidez e controle das etapas. • Integração vertical, ou seja, todas
as partes do produto são fabricadas na mesma empresa. • Utilização de mão de obra intensiva. |
• Produção especializada. • Produção flexível em relação à
organização e ao trabalho. • Terceirização: transferência de
parte da produção para outras empresas, constituindo redes integradas de
empresas. • Redução dos postos de trabalho. |
Organização
do trabalho |
• Tarefas mecânicas, fixas e bem
definidas. • Hierarquização de cargos e salários. • Fixação do trabalhador no posto de
trabalho, exercendo uma única função. • Disciplinarização e controle do
trabalhador. • Contrato de trabalho formal por
tempo indeterminado. |
• Flexibilidade e multifuncionalidade. • Redução das hierarquias internas. • Trabalho em equipe, rodízio de
tarefas, funções genéricas. • Intensificação do controle sobre o
trabalhador por meio de equipamentos e autocontrole. • Diversificação das formas de
contrato de trabalho (autônomo, por produção, por tempo determinado, etc.). |
Inovações
técnicas e organizacionais |
• Administração científica e
centralizada da produção. • Linhas de montagem e esteiras rolantes
no processo produtivo. • Produção em série. • Separação entre a concepção e a
execução do trabalho. |
• Administração científica. • Organização da produção com
tecnologia de base microeletrônica e células de produção associadas à linha
de montagem. • Produção por demanda. • Automação e robotização; integração
entre empresas. • Relativa integração entre concepção
e execução do trabalho; responsabiliza o trabalhador pelo manuseio dos
equipamentos e pela qualidade do produto; programas de participação do
trabalhador (círculos de qualidade, sugestões, etc.). |
Fábricas |
• Grandes estruturas de produção que
exigem investimentos elevados. • Concentração da produção em um único
espaço. • Concentração das decisões. |
• Fábricas espalhadas pelos mercados
mundiais. • Reorganização do espaço físico das
empresas. • Descentralização da produção, apenas
com decisões centralizadas na matriz. |
Perspectiva
do trabalhador |
• Emprego estável, protegido por
contrato por tempo indeterminado. • Distribuição dos ganhos de produtividade
por meio dos salários. • Grandes contingentes de
trabalhadores. • Rígido controle de tarefas. • Remuneração salarial regular. |
• Crescimento da subcontratação e da
consultoria. • Redução do número de trabalhadores
protegidos. • Novas formas de organização
industrial, com jornadas flexíveis, por exemplo, e o retorno de formas
antigas, como o trabalho em domicílio, por tempo parcial, entre outras. • Intensificação do ritmo de trabalho. • Novas ferramentas de controle do
trabalho. • Introdução de formas de remuneração
variáveis, como prêmios por produtividade e participação nos resultados. |
PAUSA PARA REFLETIR
O que distingue as diferentes épocas econômicas
não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de
trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e,
além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho. Os
meios mecânicos, que, em seu conjunto, podem ser chamados de sistema ósseo e
muscular da produção, ilustram muito mais as características marcantes de uma
época social de produção que os meios que apenas servem de recipientes da
matéria objeto de trabalho, e que, em seu conjunto, podem ser denominados
sistemas vascular da produção, como, por exemplo, tubos, barris, cestos,
cântaros etc. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política.
28ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Livro 1, v. I, p. 214.
(Texto publicado originalmente em 1867.) |
Bibliografia
Sociologia: volume único:
ensino médio / Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi, Benilde Lenzi
Motim. - 2ª ed. - São Paulo: Scipione, 2016.
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