quarta-feira, 8 de julho de 2020

Organização do trabalho no século XX

As crises econômicas, que de tempos em tempos atingem a sociedade capitalista em razão da insuficiência do sistema em dar respostas ao processo de acumulação, fazem com que empresários, gestores e administradores promovam alterações nas formas de produzir e de controlar o trabalho. Foi assim que, durante o século XX, predominou em nossa sociedade, ainda que não de modo uniforme, uma forma específica de produção com controle sobre o trabalho, denominada fordismo.


O fordismo se consolidou como um sistema de produção no contexto da crise de 1929 e da Grande Depressão dos anos 1930, quando o governo norte-americano passou a adotar práticas keynesianas, isto é, a intervir na economia e nas relações de trabalho como forma de saída da crise capitalista. Mas o fordismo não nasceu nessa crise. Então, em que consiste e quais são as suas origens?

 

Práticas keynesianas

Inspiradas nas ideias do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que defendia maior regulação do mercado pelo Estado a fim de garantir o pleno emprego para a população.

 

O fordismo consiste em um sistema de produção em massa cuja palavra-chave é padronização (tanto das tarefas quanto do produto). Esse sistema, que articula inovações técnicas e organizacionais visando a otimização da produção e o consumo em massa, foi empregado pelo industrial Henry Ford (1863-1947) em sua fábrica de automóveis, sediada em Detroit (Estados Unidos), nas primeiras décadas do século XX. Por meio da criação de linhas de montagem, nas quais os operários ficavam parados enquanto as peças se movimentavam em esteiras rolantes, cada trabalhador executava apenas uma etapa do processo de trabalho.

Para aumentar a produtividade, o fordismo associou-se ao taylorismo, modo extremamente racional de uso do tempo e de movimentos do trabalhador no chão da fábrica. O taylorismo foi desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1865-1915), também com vistas a otimizar a produção.

 

Otimização

Forma de obter melhores condições para algo. No contexto de produção, significa produzir mais em menos tempo ou com menos recursos.

 

Trabalhadores na linha de produção de automóveis em Detroit, Estados Unidos, 1911./ FONTE: Akg-Images/Latinstock 

Os trabalhadores são treinados para a alta produtividade mediante o uso eficiente do tempo, a divisão de atividades, a separação entre concepção e execução das tarefas e a economia de movimentos exercidos em cada função. Essa racionalização científica do tempo e dos movimentos leva à especialização e à intensificação do ritmo de trabalho, visando ao controle dele.

Associados, o fordismo e o taylorismo constituíram um eficiente sistema de produção que se espalhou também para outros setores econômicos, além da indústria. O consagrado filme Tempos modernos, de Charles Chaplin, aborda de forma irônica o trabalho de tipo fordista-taylorista e suas consequências para os indivíduos.

Depois de duas grandes guerras e em meio à corrida desenvolvimentista entre as potências mundiais, nos anos 1960 e 1970, ocorreram importantes mudanças no âmbito do trabalho. Para adaptarem-se às oscilações do mercado, as empresas implantaram um conjunto de inovações tecnológicas (derivadas da informática e da robótica) e organizacionais, que alteraram a maneira de gerir o trabalho. Mais uma vez, soluções produtivas surgiram como resposta a uma crise capitalista, a chamada "crise do petróleo". Dessa vez, o modelo veio do Japão.

 

A tirinha, de 1996, de autoria de Bob Thaves, satiriza a alienação a que o trabalhador está sujeito no modelo fordista./Bob Thaves © 1996 Thaves/Dist. by Universal Uclick for UFS 

O Japão, que tinha sido arrasado na Segunda Guerra Mundial, estava experimentando uma nova forma de organização da produção, mais flexível, criada por Taiichi Ohno e introduzida na fábrica de veículos Toyota, na década de 1950, que se espalhou para outros países do mundo. Nesse modelo de produção, denominado toyotismo (ou modelo japonês), a produção é comandada pela demanda do mercado e não trabalha com grandes estoques de insumos e de mercadorias.

 

Insumo

Termo empregado na economia para se referir aos elementos necessários para produzir mercadorias ou serviços, tais como as matérias-primas, os equipamentos, o capital, etc.

 

A introdução de mais máquinas, equipamentos, programas, processos e novas formas de administrar os empregados levou à diminuição geral dos custos, a um maior controle sobre os trabalhadores e à redução de mão de obra utilizada. A esse modo de produzir, altamente flexível e com economia de recursos, convencionou-se chamar produção enxuta. O processo de trabalho tornou-se mais flexível nas empresas que adotaram o toyotismo, no seguinte sentido: a mão de obra é multifuncional, ou seja, o trabalhador deve se adequar a diferentes funções; há controle visual da produção, com a supervisão de todas as etapas, buscando a qualidade do produto final; e a produção é estabelecida segundo a demanda e a necessidade de produtos personalizados.

Para muitos autores o modelo toyotista substituiu o fordismo. No entanto, diversas pesquisas realizadas pelos sociólogos do trabalho demonstraram que o fordismo não desapareceu. A racionalização da produção, com a adoção de alguns princípios característicos do toyotismo, em muitos casos configurou sistemas de produção híbridos, fordistas-toyotistas. O fato é que, com essas e outras mudanças no âmbito da política, inaugurou-se um tempo de grande flexibilidade não apenas na produção, mas também nas relações sociais e do trabalho, nas bases econômicas e geográficas, como atesta a dinâmica produtiva das empresas transnacionais.

 

Linha de montagem de empresa automobilística chinesa instalada em Jacareí (SP).

 

 

A Terceira Revolução Industrial (ou Revolução Tecnológica), ocorrida a partir dos anos 1970, automatizou o trabalho, introduziu a informática e a robótica, desenvolvendo a capacidade de acumular, armazenar, processar e distribuir informações.

 

A maneira de produzir transitou da rigidez das formas de organização taylorista-fordistas, nas quais cada pessoa detinha um posto de trabalho e uma máquina, para a flexibilização na produção, no trabalho e nos mercados. Isso não significa que a produção fordista tenha desaparecido, mas que essas formas de produção podem até coexistir em uma mesma empresa, quando se combinam elementos do fordismo, do taylorismo e de sistemas flexíveis de produção.

Essa reorganização da produção, baseada na inovação de equipamentos, na flexibilidade de tempo e de mão de obra, na redução do custo e no controle da qualidade, é denominada reestruturação produtiva. Desenvolvida nos países capitalistas centrais nas décadas de 1970 e 1980, ela chegou ao Brasil com intensidade nos anos 1990, período marcado por ajustes nas relações trabalhistas. Nesse contexto, é importante conhecer as alterações que acontecem nas relações de trabalho, uma vez que essas se compõem de um conjunto de leis e normas sociais reguladoras da compra e venda da força de trabalho e também dos conflitos resultantes.

 O geógrafo britânico David Harvey (1935-) alerta que, nas condições da produção capitalista, a socialização do trabalhador envolve o controle social amplo das suas capacidades físicas e mentais. O maior controle do trabalho contribui para a acumulação do capital, e ele acontece também fora do local de trabalho, estimulando a familiarização do trabalhador com os objetivos da empresa e convencendo-o a participar e a cooperar com o processo produtivo, estratégias típicas das novas formas de gestão do trabalho. Um exemplo desse envolvimento integral com o trabalho são aqueles trabalhadores que, por meio de celulares e computadores, permanecem à disposição da empresa além do horário previsto em contrato.

 A tirinha de Laerte, de 2012, ironiza a maneira como o ritmo intenso de trabalho inibe a capacidade do trabalhador de aproveitar seu tempo livre. / Laerte/Acervo do artista 

Presente na indústria e nos serviços, a produção flexível acontece por encomenda, utiliza técnicas que produzem mais em menos tempo e com menor número de trabalhadores. Ela se diferencia tipicamente da produção fordista, que é baseada na produção em massa, com altos níveis de estoque e rígido controle sobre o trabalhador. O uso de máquinas complexas na agricultura, por exemplo, permitiu o cultivo de extensas áreas rurais, que favoreceu a competição na venda mundial de grãos, mas reduziu drasticamente o emprego de trabalhadores. Algumas dessas mudanças podem ser vistas no quadro da próxima página, no qual são comparadas as principais características dos dois sistemas de produção em países de capitalismo avançado, levando em conta o mercado, a produção, a organização do trabalho, as inovações técnicas e organizacionais e a estruturação das fábricas. 

O sistema de produção taylorista-fordista e o sistema de produção flexível 

Aspectos considerados

Sistema de produção taylorista-fordista (predominante no período de 1930 a 1970)

Sistema de produção flexível

(em expansão desde a década de 1970)

Mercado

Objetiva o consumo de massa.

Objetiva atingir nichos específicos de mercado.

Produção

• Produção em massa.

• Rigidez e controle das etapas.

• Integração vertical, ou seja, todas as partes do produto são fabricadas na mesma empresa.

• Utilização de mão de obra intensiva.

• Produção especializada.

• Produção flexível em relação à organização e ao trabalho.

• Terceirização: transferência de parte da produção para outras empresas, constituindo redes integradas de empresas.

• Redução dos postos de trabalho.

Organização do trabalho

• Tarefas mecânicas, fixas e bem definidas.

• Hierarquização de cargos e salários.

• Fixação do trabalhador no posto de trabalho, exercendo uma única função.

• Disciplinarização e controle do trabalhador.

• Contrato de trabalho formal por tempo indeterminado.

• Flexibilidade e multifuncionalidade.

• Redução das hierarquias internas.

• Trabalho em equipe, rodízio de tarefas, funções genéricas.

• Intensificação do controle sobre o trabalhador por meio de equipamentos e autocontrole.

• Diversificação das formas de contrato de trabalho (autônomo, por produção, por tempo determinado, etc.).

Inovações técnicas e organizacionais

• Administração científica e centralizada da produção.

• Linhas de montagem e esteiras rolantes no processo produtivo.

• Produção em série.

• Separação entre a concepção e a execução do trabalho.

• Administração científica.

• Organização da produção com tecnologia de base microeletrônica e células de produção associadas à linha de montagem.

• Produção por demanda.

• Automação e robotização; integração entre empresas.

• Relativa integração entre concepção e execução do trabalho; responsabiliza o trabalhador pelo manuseio dos equipamentos e pela qualidade do produto; programas de participação do trabalhador (círculos de qualidade, sugestões, etc.).

Fábricas

• Grandes estruturas de produção que exigem investimentos elevados.

• Concentração da produção em um único espaço.

• Concentração das decisões.

• Fábricas espalhadas pelos mercados mundiais.

• Reorganização do espaço físico das empresas.

• Descentralização da produção, apenas com decisões centralizadas na matriz.

Perspectiva do trabalhador

• Emprego estável, protegido por contrato por tempo indeterminado.

• Distribuição dos ganhos de produtividade por meio dos salários.

• Grandes contingentes de trabalhadores.

• Rígido controle de tarefas.

• Remuneração salarial regular.

• Crescimento da subcontratação e da consultoria.

• Redução do número de trabalhadores protegidos.

• Novas formas de organização industrial, com jornadas flexíveis, por exemplo, e o retorno de formas antigas, como o trabalho em domicílio, por tempo parcial, entre outras.

• Intensificação do ritmo de trabalho.

• Novas ferramentas de controle do trabalho.

• Introdução de formas de remuneração variáveis, como prêmios por produtividade e participação nos resultados.

Elaborado com base em: HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993; CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.


 

  PAUSA PARA REFLETIR

 

O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho. Os meios mecânicos, que, em seu conjunto, podem ser chamados de sistema ósseo e muscular da produção, ilustram muito mais as características marcantes de uma época social de produção que os meios que apenas servem de recipientes da matéria objeto de trabalho, e que, em seu conjunto, podem ser denominados sistemas vascular da produção, como, por exemplo, tubos, barris, cestos, cântaros etc.

 

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 28ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Livro 1, v. I, p. 214. (Texto publicado originalmente em 1867.)

 

 

Bibliografia

Sociologia: volume único: ensino médio / Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi, Benilde Lenzi Motim. - 2ª ed. - São Paulo: Scipione, 2016.

 


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