Algumas palavras, assim como as realidades que expressam,
estão tão presentes no nosso dia-a-dia que se torna difícil falar sobre o seu
significado. Já imaginou a situação de ter que explicar para alguém o que é
trabalho? Talvez seja mais difícil ainda. Ao utilizarmos tal palavra e suas
variações (como “trabalhador”, por exemplo) estamos nos referindo a percepções
diferentes sobre uma mesma realidade. O que isso quer dizer?
Já reparou que, certas vezes, falamos do trabalho para
atestar algo que confere dignidade a uma pessoa, como é o caso daqueles que, ao
serem parados pela polícia, afirmam a condição de trabalhador, ou até mesmo
daqueles que, para impressionar sua namorada nova e até os pais dela, também
anunciam essa condição? Não é a toa que muitos repetem a frase “Deus ajuda a
quem cedo madruga” para mostrar que o trabalho tem seu valor. Ao mesmo tempo,
existem muitas situações em que o trabalho é percebido como algo negativo,
pesado. O humor explora bastante essa questão: “quem inventou o trabalho não
tinha o que fazer”, diz a famosa piada.
O que é trabalho A autora Suzana Albornoz (1994), no seu livro O que é trabalho?, conta que algumas línguas criaram termos e
verbos diferenciados para expressar essas duas percepções em torno do
trabalho. No inglês, por exemplo, temos a distinção entre as palavras labour
e work. Enquanto a primeira enfoca o trabalho a partir do esforço e do
cansaço (rotineiro e repetitivo, sem liberdade de ação e um incomodo inevitável),
a segunda se refere a uma participação ativa na construção do bem comum, algo
digno de reconhecimento pela sociedade. No português temos as palavras labor
e trabalho, mas é o segundo termo que apresenta as duas percepções das quais
falamos. |
No esforço de definir o trabalho, podemos dizer que –
independente da percepção que se tenha sobre – é a atividade desenvolvida
quando o ser humano, com suas forças e instrumentos, transforma um objeto
(material ou imaterial) para conquistar um benefício coletivo ou individual,
gerando um produto ou serviço para uso imediato ou troca.
Então, por que duas percepções tão diferentes do trabalho,
como vimos? Por que o trabalho pode ser percebido como algo que torna o homem
realizado por participar na construção da história e do mundo e, ao mesmo
tempo, como um fardo, algo que se procura somente para a sobrevivência?
O grande pensador Karl Marx, em seu livro “O Capital”,
defende que o trabalho é uma atividade vital – que resulta do uso das forças
físicas e mentais – que procura produzir bens e serviços, e que permite ao
sujeito dar uma importante contribuição para a sociedade. É um processo do qual
participam o homem e o seu meio físico, em que o primeiro controla suas trocas
com a natureza, atuando sobre ela e transformando-a.
Esse pensador compreende que o trabalho é essencial para o
ser humano, pois permite ao mesmo se realizar, encontrar seu lugar no mundo,
oferecer sua contribuição e marcar sua presença na história.
O trabalho e a alienação
Para Marx, a forma como o capitalismo trata o trabalho e os
trabalhadores impede que esta atividade vital seja percebida como uma forma
única e positiva de contribuição à sociedade e a história. Como o trabalhador
não é dono dos meios de produção (as máquinas, as matérias primas e outros
tipos de recurso) e é colocado em uma posição subalterna pelos seus patrões,
ele não consegue entender sua atividade como libertadora e realizadora. A condição
em que está diante dos meios de produção provoca uma relação de estranhamento
com o trabalho. A esse estranhamento, Marx chamou de alienação. Fez sentido,
agora, a ideia de duas percepções tão diferentes de trabalho?
Marx identificou alguns tipos de alienação. A principal
delas seria a alienação do trabalhador em relação a si próprio, que ocorre
quando o trabalho se torna um fardo, algo que não possibilita a
auto-realização. Ao mesmo tempo, o homem não pode escolher ficar sem trabalho,
pois os que não têm emprego não existem para o mundo capitalista. Em favor de
sua sobrevivência, o homem precisa vender sua força de trabalho para o
empregador, como se fosse mais uma matéria-prima ou ferramenta de produção, com
o valor muito abaixo do que é justo.
Outra forma de alienação se dá em relação ao seu produto, o
resultado do seu trabalho. Existe um estranhamento entre ele e sua produção.
Ela se torna independente do trabalhador, que por vezes é reduzido a um
repetidor de movimentos simplificados. Não há mais liberdade, não há
contribuição, o sujeito se torna mais uma engrenagem na fábrica. Você já viu
isso antes?
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Vamos pensar um exemplo a partir do filme “Tempos modernos” (1936),
estrelado e dirigido por Charlie Chaplin. No filme, o personagem principal
tem apenas uma função: apertar um parafuso em uma peça que passa diante dele
em uma esteira. O trabalhador não conhece as demais etapas do processo de
produção, o que não lhe permite descobrir o valor que sua função tem na
construção do produto final. Sua função repetitiva e simplificada não faz
dele um operário qualificado, mas sim uma espécie de engrenagem que pode ser
substituída a qualquer momento e por outro operário sem qualificação. Muitas
vezes, sequer é capaz de adquirir os produtos que fabrica, desconhecendo o
seu valor de uso. Na visão de Marx, nosso personagem tornou-se, pela ação do
capitalismo, um alienado. Você conhecia esse filme? |
Alienado, o trabalhador passa a existir somente para
atender aos fins do capitalismo. Tal observação feita por Marx se baseava na
experiência dos operários de seu tempo (durante e logo depois da Revolução
Industrial), que eram submetidos a grandes e cansativas jornadas de trabalho
para receber um baixo salário. O dinheiro que recebiam ainda era insuficiente
para suprir as suas necessidades e injusto diante daquilo que o trabalhador
produziu. Marx defendeu uma solução: era preciso fazer uma revolução para
instaurar outro modo de produção – o comunismo –, no qual a sociedade não seria
dividida em classes, os trabalhadores teriam voz e a alienação deixaria de
existir.
Sociedade igualitária O comunismo (do latim communis, que significa “comum,
para todos”) trata-se de uma ideologia política, social e econômica, tem
em Karl Marx o seu principal pensador e elaborador, e que pretende instaurar uma
sociedade igualitária, sem classes e partidos, na qual as propriedades e os
meios de produção não sejam privados, mas pertençam a todos por meio do
Estado. Sua instauração aconteceria quando os trabalhadores, por via de uma
revolução, tomassem a condução política das sociedades. Para Marx e outros
pensadores, seria o modo de produção que faria a sociedade humana chegar ao
cume mais alto de sua história, como se fosse o glorioso final de um árduo
caminho. O fim das desigualdades, possibilitado pela abolição das classes
sociais, é apresentado como seu principal objetivo.
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O comunismo (do latim communis, que significa “comum, para
todos”) trata-se de uma ideologia política, social e econômica, tem em Karl
Marx o seu principal pensador e elaborador, e que pretende instaurar uma
sociedade igualitária, sem classes e partidos, na qual as propriedades e os
meios de produção não sejam privados, mas pertençam a todos por meio do Estado.
Sua instauração aconteceria quando os trabalhadores, por via de uma revolução,
tomassem a condução política das sociedades. Para Marx e outros pensadores,
seria o modo de produção que faria a sociedade humana chegar ao cume mais alto
de sua história, como se fosse o glorioso final de um árduo caminho. O fim das
desigualdades, possibilitado pela abolição das classes sociais, é apresentado
como seu principal objetivo.
“Eu moro no morro e ela na Zona Sul”: pensando os modos de produção
e a divisão de classes
"Vai no cabeleireiro No esteticista Malha o dia inteiro Pinta de artista Saca dinheiro Vai de motorista Com seu carro esporte Vai zoar na pista” (Burguesinha – Seu Jorge Fonte: http://www.seujorge.com/musica/) |
Você já escutou a música “burguesinha”, do cantor e
compositor carioca Seu Jorge? Na letra, o cantor se refere a rotina de uma
mulher de um grupo social com maior poder econômico, com hábitos e práticas bem
diferentes das suas e que quase sempre envolvem um alto custo financeiro. Já
parou para pensar de onde vem o termo “burguesinha” e por que o autor chama
assim a mulher da sua música?
O pensador Karl Marx utilizou os termos “burguês” e
“burguesia” para se referir aos donos dos meios de produção no modo de produção
capitalista. Aliás, já falamos de capitalismo, mas ainda não discutimos melhor
o seu significado.
Burguês O termo "burguês"
surgiu na Idade Média para dar nomes aqueles que moravam nos burgos
(cidades), mas não eram da nobreza, do clero e nem senhores feudais.
Geralmente exerciam ofícios: eram artesãos, comerciantes, artistas e
negociantes. Durante esse período, brigavam por conquistar seu espaço em uma
sociedade ainda dominada pelos títulos de nobreza. Na Idade Moderna, passaram
a ter um papel fundamental na economia e na política do Ocidente. |
Em primeiro lugar, como já adiantamos, Marx explica o
capitalismo como um modo de produção. Mais do que isso, é o modo de produção do
nosso momento histórico. O modo de produção, por si só, se caracteriza pelas relações
de trabalho e o desenvolvimento das forças produtivas. Em cada tempo, ele teve
diferentes características, que influenciaram a organização das sociedades e de
suas economias.
Veja os modos
de produção no decorrer da história:
Sociedades e seus modos de produção.
Segundo Marx,
no capitalismo, a divisão do trabalho se dá da seguinte forma:
Burguês |
Operário |
|
|
Dono dos meios de produção. |
Dono da sua força de trabalho. |
Administra e fiscaliza. |
Executa. |
Precisa do trabalhador para operar os meios de produção, mas ainda
assim define o preço a pagar pelo seu trabalho. |
Precisa dos meios de produção do burguês, mas mesmo sendo necessário,
se tornou o lado mais fraco na negociação do valor do seu trabalho por não
possuí-los. |
Acumula dinheiro por meio da mais valia. |
São lesados economicamente, pois o seu salário não faz justiça àquilo
que produzem. |
Mais valia Mais valia é como Marx chama toda a apropriação
indevida que o burguês faz do trabalho do operário. Por exemplo, digamos que
um trabalhador com uma jornada de oito horas recebe um salário x pela sua
diária. Se nas primeiras cinco horas de trabalho o operário já produziu o
suficiente para garantir x, as outras três horas foram apropriadas pelo
burguês como mais valia. Elas se tornam lucro do patrão quando podiam fazer
parte do salário do operário. Você deve percebe isso acontecer no seu
dia-a-dia.
|
Muitos trabalhadores tomaram consciência de uma condição de
exploração por parte dos burgueses e decidiram entrar no jogo, saindo de uma
posição passiva, planejada pelo capitalismo. Fica evidente para Marx que temos uma divisão de classes: de um lado, os
burgueses, defendendo os interesses do capitalismo; do outro, a classe operária,
brigando pelos seus direitos e por reconhecimento. Ambos estão em lados
diferentes de um jogo, marcado por diferentes ideias, posições econômicas e
posturas políticas. A esse jogo, Marx chamou de luta de classes.
Bibliografia
TOMAZI, N.D. Sociologia para o Ensino Médio. São Paulo: Editora Atual, 2013.
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