sexta-feira, 3 de julho de 2020

O Etnocentrismo

Por que as diferenças sociais e culturais são, para muitas pessoas, sinônimo de desigualdades? No senso comum, por exemplo, o nordestino na maioria das vezes é associado ao analfabetismo, à ignorância etc. Negros e índios são associados a marginais ou selvagens. Mulheres são consideradas inferiores. Homossexuais, pessoas que apresentam anomalias “mentais” e “morais”.


Podemos dizer que essas ideias representam visões etnocêntricas de mundo. Mas, o que significa mesmo o termo “etnocentrismo”?

Bem, etimologicamente, “etno” deriva do grego “ethnos” e se refere à etnia, raça, povo, clã. Assim, “etnocentrismo” significa considerar a sua etnia como o centro ou o eixo de tudo, a base que serve de referência ou o ponto de vista de onde se deve olhar e avaliar o mundo ao redor. Estendendo essa definição, podemos entender o etnocentrismo como uma tendência a considerar apenas os valores da própria cultura ao analisar as demais. Isto significa dizer que as visões de um determinado grupo – política, econômica e socialmente dominante em uma dada sociedade – são consideradas como o centro e a referência de tudo. Tudo – inclusive outros grupos e indivíduos – é pensado e sentido através dos valores, modelos e definições segundo o grupo dominante, que seria a própria “representação” da existência humana.

Quando duas culturas se encontram, pode ocorrer um choque cultural, ou seja, de repente surge um “outro”, ou o grupo “diferente” que, quase sempre, não age como o grupo dominante – ou, quando age, é considerado estranho. Enfim, esse “diferente” é ameaçador porque pode ferir (afetar de alguma forma) a nossa identidade cultural. Então, se pertencemos ao grupo que apresenta os padrões culturais considerados como “corretos”, “naturais”, não aceitamos que outro grupo tenha hábitos que julgamos “estranhos”. Assim o grupo do “eu” faz da sua visão a única possível – ou, mais discretamente, “a melhor”, “a natural”, “a superior”, “a certa”.

 

Todos somos diferentes, temos escolhas e características biológicas e sociais diferentes. Reconhecer estas diferenças não deveria significar desigualdades em direitos ou de alguma forma de discriminação. /Image Source/Shannon Fagan 

Em poucas situações, a atitude etnocêntrica passa por um julgamento simples do valor da cultura do outro, nos termos da nossa própria cultura, sem consequências mais sérias. Mas, na maioria das vezes, a História da humanidade é repleta de exemplos onde o etnocentrismo implica um julgamento do outro, na sua forma mais violenta. Por exemplo, julgar um povo – como os indígenas ou os africanos – de primitivo ou bárbaro, pode significar, socialmente e politicamente, como “algo a ser destruído” ou como empecilho ao “desenvolvimento econômico” das nações.

Carlos Ruas

O etnocentrismo formula representações e imagens distorcidas sobre aquele que entendemos como “diferente” de nós, sendo representações sempre manipuláveis como bem entendemos. Além disso, no fundo, transforma a diferença pura e simples num juízo de valor, perigosamente prejudicial à humanidade.

 

Etnocentrismo

Termo criado em 1906 pelo sociólogo americano William Graham Summer (1840-1910) –, portanto, é a base explicativa sociológica e antropologicamente dos preconceitos, discriminações, racismos, homofobia, sexismo e estereótipos sobre os mais variados grupos, considerados diferentes em comparação a um determinado padrão.

 

Esclarecido isso, podemos refletir sobre a nossa própria história: como sabemos, nossas sociedades ocidentais americanas são herdeiras diretas da tradição europeia, branca e cristã, que foi trazida pelos colonizadores e que predominou sobre outras culturas que existiam anteriormente nas Américas.

Sabendo disso, perguntamos: como se deu esse processo de conquista, não somente sob o ponto de vista social e cultural, mas sob a perspectiva da visão de mundo desses colonizadores europeus? Será que o desejo de riqueza não veio aliado a uma crença num estilo de vida que excluiu as diferenças sociais e culturais?

Se pensarmos em termos de História do Brasil, podemos verificar que nossa formação nacional foi marcada pela eliminação física do “diferente” (indígenas) ou por sua escravização (africanos). Da mesma forma, foi forjada uma verdadeira negação do “outro”, também no que diz respeito aos seus pensamentos, suas ideias e seus mais variados comportamentos.

Por exemplo, até algum tempo atrás, na maioria dos livros didáticos de História, encontrávamos a ideia distorcida de que os índios andavam nus, à época da chegada dos portugueses. Ora, esse “escândalo exótico” esconde, na verdade, a nossa noção particular do que deve ser uma roupa e o que, no corpo, deve-se mostrar ou esconder.

A mesma ideia se expressa quando se diz que os povos indígenas cultuam deuses em formas de espíritos ancestrais, animais, árvores etc., ou seja, eles eram animistas, com superstições sem sentido. Aqui se esconde a visão de que só os ocidentais é que têm o deus ou deuses certos e os “selvagens” não. Perguntamos: o que diriam muitos indígenas na Amazônia se soubessem que nossas indústrias madeireiras derrubam milhões de árvores para fazer papel, e que grande parte desse papel é jogado no lixo? E mais: o que diriam eles, sabendo que a derrubada de árvores provoca um desequilíbrio ecológico ameaçador para a própria existência humana? Deste ponto de vista, não seríamos nós os “selvagens”, fazendo coisas sem sentido?

Um exemplo de visão etnocêntrica: em pleno 
século XXI, filmes ainda exibem a África e seus 
povos como selvagens e primitivos.
/ Morgan Creek Productions/Tom Shadyac
 

Bibliografia

OLIVEIRA, Luiz Fernandes de, 1968- 4. ed. Sociologia para jovens do século XXI : manual do professor / Luiz Fernandes de Oliveira, Ricardo Cesar Rocha da Costa. - 4. ed. - Rio de Janeiro : Imperial Novo Milênio, 2016.


Postagem anterior
Próximo post

0 Comments:

‹‹ Postagem mais recente Postagem mais antiga ››