quarta-feira, 1 de julho de 2020

Estado de direito e absoluto

Por Estado de direito compreendemos um Estado em que o governante age não segundo sua própria vontade ou livre arbítrio, mas de acordo com as leis gerais do país, que valem tanto para os governados como para ele próprio. As leis funcionam assim como uma espécie de “freio constitucional” que impede, ou ao menos dificulta, o abuso de poder por parte do governante.


Essa concepção de Estado se contrapõe à do Estado absoluto, para a qual o soberano está acima das leis por ele instituídas. Mesmo sob a órbita da legalidade, o Estado exerce coerção permanente sobre os indivíduos, podendo, em casos de violação da norma, aplicar contra essas sanções que vão desde uma simples reprimenda (multas de trânsito, por exemplo) até a morte. Em outras palavras, o Estado pode, dentro dos limites legais estabelecidos, obrigar alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, com base no seu aparato de controle social (fisco, tribunais, polícias).

Nesse novo ordenamento político, a massa do poder soberano, até então concentrada em uma só mão (a mão do rei), se dividiu em três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. A divisão de poderes permitiu separar e delimitar as três funções básicas do Estado: elaborar leis (atividade legislativa), executar as leis e administrar os negócios públicos (atividade executiva) e aplicar a lei a casos particulares (atividade judiciária).

 

 

Montesquieu e a tripartição do poder Montesquieu

 


Montesquieu

A ideia da tripartição do poder foi formulada por pensadores políticos, em especial o barão de Montesquieu (1689-1755), que viam no poder absoluto dos reis o maior obstáculo às liberdades e garantias individuais. A divisão do poder em Executivo, Legislativo e Judiciário permitiria, segundo Montesquieu, a cada poder contrariar os demais, garantindo assim a equipotência ou o equilíbrio de força entre eles. Assim, o poder do rei (o Executivo) poderia ser contrastado pelo dos parlamentares (o Legislativo) e magistrados (o Judiciário).

A divisão do poder ou da soberania, contudo, não trouxe, por si só, garantia plena contra o abuso de poder e a corrupção política, que podem ser encontrados mesmo nas atuais “democracias”. Não raramente, contando com maioria parlamentar e tendo nas mãos o Judiciário, que funciona como mero garantidor da estrutura legal que dá suporte ao Executivo, o chefe deste exerce sua autoridade com grande soma de arbítrio.

 

 

O passo seguinte para o aumento do número de membros da sociedade que participam politicamente do Estado se deu no século XIX com a universalização do direito de voto a todos os homens adultos. A partir daí, o Estado de direito toma definitivamente o caminho da democracia, que continuará percorrendo no século seguinte, com a inclusão política das mulheres e dos analfabetos, no século seguinte, na maior parte dos países.

 

Democracia

A palavra democracia tem origem no idioma grego: demo significa povo e cracia significa governo, ou seja, democracia significa governo do povo. A democracia teve origem na Grécia Antiga; contudo, a participação era restrita aos homens livres, adultos e nascidos nas cidades.

 

Da “união” entre democracia e Estado de direito nasceu o que chamamos de Estado democrático de direito. Nele, não só é assegurado a todos os indivíduos o direito de participar de muitas decisões públicas (através de eleições, plebiscitos e referendos populares), como também o gozo de grande número de liberdades individuais (liberdade de consciência e opinião, de culto religioso, de orientação sexual). O Estado democrático de direito é regulado e organizado por uma Constituição ou ordenamento jurídico, que estabelece os direitos e os deveres básicos dos cidadãos. A carta constitucional é concebida como fruto da vontade popular, que se expressa através das pessoas encarregadas da sua elaboração, os constituintes.

 

Neoliberalismo e a redução dos gastos públicos

O que já há décadas chamamos de Estado neoliberal (ou de neoliberalismo) é nada mais do que um novo arranjo do Estado liberal clássico do século XVIII. Este figurara como alternativa política ao Estado absolutista, como vimos; já o “novo” Estado liberal se apresenta, principalmente, em oposição ao Estado de bem-estar social de tipo europeu, o Welfare State, que se formou nos países do continente no segundo pós-guerra.

Ao contrário do Estado de bem-estar europeu, que se encarregava de garantir o pleno emprego, implantar programas sociais (habitação, saúde, assistência familiar, pleno emprego) e dinamizar setores-chave da economia (siderurgia, petróleo, energia elétrica, transporte, comunicações), o Estado neoliberal tem como agenda básica a redução maciça dos gastos públicos (especialmente nas áreas sociais) e a quebra dos controles estatais sobre o mercado – no ideário do neoliberalismo, o mercado possui racionalidade própria, sendo capaz de se autorregulamentar com base apenas em suas próprias leis (oferta e procura, basicamente).

Apesar de a democracia ser na atualidade a forma de governo consensualmente aceita e buscada em quase todo o mundo, os mecanismos formais das democracias estiveram ausentes na maioria dos regimes políticos do século passado. Este foi o século do socialismo soviético, do totalitarismo de Estado e dos governos autoritários de caráter notadamente militar.

No totalitarismo, o chefe político, ou “primeiro mandatário da nação”, encarna, ele próprio, a nacionalidade e se apresenta como governante supremo. O Estado controla todas as atividades sociais (economia, religião) e a própria vida privada dos indivíduos, que não podem pensar ou agir em contrário à vontade do governante. O povo é mobilizado politicamente para dar suporte ao poder, à frente do qual está o chefe do partido único. Este regime experimentou sua glória entre as décadas de 1920 e 1940, e se notabilizou em duas práticas políticas: o fascismo italiano e o nazismo (ou nacional-socialismo) alemão, liderados respectivamente por Benito Mussolini e Adolf Hitler.

Nos regimes autoritários, as liberdades individuais também são cerceadas pelo Estado, apesar de o controle deste sobre a sociedade não ser tão efetivo e absoluto como no totalitarismo. Diferentemente deste ainda, o governante não é cultuado como “salvador da pátria”, e o povo é despolitizado ou mantido à margem da vida política.

No Estado autoritário pode haver também alternância no poder – sem que, contudo, a ordem política seja modificada – e partidos políticos de oposição, que figuram apenas para manter a ilusão de democracia. As ditaduras grega e latino-americanas dos anos 1960 e 1970 (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai) são exemplos de Estado autoritário.

O Estado socialista figura como expressão do poder organizado da classe trabalhadora contra a classe burguesa ou capitalista (ditadura do proletariado), e ainda como etapa de preparação para o comunismo, que consistiria de acordo com os seus adeptos no fim da miséria e das injustiças sociais, a verdadeira democracia. Assim, a ideologia do socialismo defende o uso da força para derrotar os “inimigos do povo”. No Estado socialista, o poder é exercido de forma semelhante ao totalitarismo. O socialismo predominou durante décadas no leste da Europa e persiste ainda hoje em Cuba, apesar de o país latino-americano vir adotando medidas de abertura política. Podemos tomar a Rússia do líder soviético Stálin como exemplo máximo de Estado socialista.

 

Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Formas de Estado e de Governo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984.

 

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