terça-feira, 28 de abril de 2020

Movimentos sociais: feminismo(s) e LGBT

No senso comum, é possível escutar que o feminismo é o contrário do machismo seria: uma tentativa de impor o poder das mulheres por intermédio da força ou das ideias feministas. Nada mais equivocado. Em primeiro lugar, o feminismo nasceu de um movimento de igualdade e não de superioridade. Em segundo, o mais correto seria falar feminismos, no plural, tendo em vista as diversas concepções e debates que marcam essas teorias.


Para os historiadores, as origens do feminismo dental podem ser situadas no século XIX. Segundo a historiadora canadense Marlene LeGates (1943), falar em feminismo antes desse século cometer um anacronismo, pois, embora existissem mulheres e homens preocupados com opressão masculina, o feminismo como movimento social e corrente de pensamento ainda não havia se organizado.
Alguns historiadores se referem a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de 1791, redigida por Olympe de Gouges (1748-1793), para lembrar como o feminismo tem origens remotas. Olympe de Gouges foi uma escritora francesa, considerada uma pioneira do feminismo, que morreu executada pelos jacobinos, em 1793, por causa de suas opiniões. No entanto, ao se falar das origens do feminismo, normalmente se faz referência a chamada primeira onda, que seria constituída pelos primeiros movimentos organizados por mulheres no século XIX, em países ocidentais, em torno de inúmeros direitos, principalmente o direito ao voto.

Historiadora brasileira Celi Regina Pinto lembra que no Brasil as primeiras feministas também se organizaram em torno dos direitos políticos: lideradas por Bertha Lutz (1894-1976) e pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, conquistaram, em 1932, o direito ao voto. No inicio do seculo XX, tanto no Brasil quanto na Europa, houve o crescimento de organizações operárias feministas, de influência anarquista ou socialista, assim como de organizações de mulheres de classe média, como associações e clubes.
O feminismo sempre se combinou com lutas democráticas em todos os lugares do mundo. Assim, nos movimentos socialistas e operários do seculo XIX, tal como nos movimentos anarquistas, foram inúmeras as organizações de mulheres e lideranças feministas em várias fábricas e no campo. O Dia Internacional das Mulheres, por exemplo, nasceu da iniciativa da líder socialista alemã Clara Zetkin (1857-1933), que propôs em uma Conferência Socialista a adoção do 8 de março para celebrar essa data.
A organização de associações e movimentos feministas diferiu no que concerne não apenas a classes sociais, mas também a termos raciais.
As feministas negras do pós-colonialismo afirmaram que feministas brancas se organizaram em torno de lutas para que tivessem empregos e carreiras, assim como o reconhecimento como cidadãs, sem, no entanto, atentarem para o fato de que as mulheres negras continuavam a ser penalizadas tanto pelo sexismo quanto pelo racismo, não usufruindo das conquistas do feminismo branco. Esses novos feminismos salientavam também que a situação da mulher rica e de classe média não podia ser igualada a de mulheres negras, indígenas ou de países colonizados, tendo em vista que estas últimas, o problema não era a monotonia de ser "dona de casa", mas o trabalho pesado, a discriminação (racial e de classe) e a transformação de seu corpo em objeto, que as tomavam vitimas comuns de crimes sexuais.

As modificações nas sociedades ocidentais após as guerras mundiais do século XX levaram a mudanças também no feminismo. Nos anos 1960, surgiu a chamada segunda onda feminista, em que as reivindicações das mulheres passaram a se dirigir ao mercado de trabalho, a divisão de tarefas familiares e aos direitos reprodutivos. Nesse mesmo período porém, abriram-se divergências no próprio feminismo, o que resultou na criação de diferentes correntes: o feminismo liberal, o feminismo radical, o feminismo negro e o feminismo socialista. Essas divergências não significaram uma decadência do movimento, muito pelo contrario: as correntes do feminismo progrediram graças ao desenvolvimento teórico e filosófico bastante avançado, que permitiu que a pluralidade de situações em relação mulheres fosse contemplada, e as lutas sociais fossem ainda mais precisas e eficazes.
O feminismo liberal é aquele ligado as questões de maior igualdade nos contextos institucionais. Sem dúvida, foi importante para assegurar leis e conhecimentos jurídicos para as mulheres assim como para cobrar do Estado a criminalização do estupro e outros crimes relacionados a mulher.
O feminismo socialista e marxista desenvolve-se hoje no campo teórico, criticando o caráter de classe do feminismo europeu e ressaltando a luta das mulheres operárias e camponesas para demonstrar que o feminismo poderia ter caráter revolucionário. Ressaltam a importância das mulheres na luta revolucionaria, enfatizando a destruição do capitalismo como condição prévia para a destruição do patriarcado.
Slogan "Mulheres de todo o mundo, uni-vos" faz alusão direta a bandeira socialista do Manifesto Comunista. Na foto, mulheres desfilam na Quinta Avenida, em Nova York, nos Estados Unidos, em 1970, para comemorar o 50º aniversário da aprovação do voto feminino naquele país.
O feminismo negro e pós-colonial ressalta a luta das mulheres tornadas invisíveis pelo feminismo branco: as lutas anticoloniais na Asia, nas Américas e na Africa, assim como as lutas operárias das quais as mulheres foram protagonistas. Esse feminismo muitas vezes se alinhou ao socialismo, ao marxismo e aos movimentos revolucionários, mas também encaminhou lutas para a conquista de direitos civis, principalmente.
Embora criticado por todas as outras correntes do movimento feminista, o feminismo radical é que vai apresentar a sexualidade como tema central para a compreensão dos padrões e das discriminações em torno dos gêneros. As feministas radicais argumentam que a diferença mais importante entre homens e mulheres esta na reprodução, e, portanto, é a família, como núcleo reprodutor, que representa a base de opressão das mulheres. Nesse sentido, os direitos sobre o corpo, que incluem a defesa do aborto, a separação entre a sexualidade e a procriação e a abertura para as diferentes sexualidades, são as pautas principais do feminismo radical.

O feminismo radical influenciou as teorias pós-estruturalistas e Queer que compõem a terceira onda do feminismo, iniciada nos anos 1980, sendo também influenciado por elas. Esse é um dos momentos mais efervescentes do feminismo, pois os movimentos de gays e trans transformaram as concepções clássicas sobre sexualidade e política, apresentando o tema da orientação sexual como base de novos movimentos políticos e sociais.
A ideia de uma orientação sexual oposta à da expectativa da sociedade era motivo de aversão, sendo tratada como distúrbio psíquico, fisiológico e moral. Os homossexuais eram marginalizados na sociedade (e ainda são em muitos contextos), e seus espaços de sociabilidade e interação ficavam restritos a bares, tabernas e cubes Secretos, que constantemente eram alvo de investigação e repressão policial. Em 28 de junho de 1968, frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York, enfrentaram uma ação policial no que se tornou um evento emblemático e um marco na luta pelos direitos e reconhecimento do "orgulho gay". A década de 1960, de maneira geral, representou um momento marcante de contestação dos costumes, tanto no âmbito politico quanto no cultural, simbolizado pelos protestos contra a guerra do Vietnã, o movimento de maio de 1968 na França, os movimentos hippie e feminista.
Apesar das mudanças trazidas pelos movimentos de contracultura, as décadas seguintes foram de estigmatização e discriminação em virtude do surgimento da epidemia de HIV/ Aids, quando, com base no discurso cientifico e também religioso, a orientação sexual foi associada diretamente a doença. A ideia de homossexualidade e doença persistiu durante muito tempo. O próprio termo homossexualidade não existia, sendo utilizada a categoria homossexualismo, que pressupõe problemas patológicos. No século XIX e ao longo de parte do seculo XX, a homossexualidade aparecia na classificação de doenças e somente em 1990 foi retirada da lista internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 1985. no Brasil, antes mesmo da retirada da lista, o Conselho Federal de Psicologia já não a considerava uma patologia.
A partir da década de 1990, com o controle da epidemia de Aids e o maior envolvi mento de organizações governamentais e não governamentais, já se percebe uma rearticulação dos movimentos de direitos civis e de combate a discriminação e a homofobia. Essa reorganização do movimento trouxe reflexões importantes, como a descentralização da homossexualidade masculina, dando visibilidade a lésbicas, bissexuais, travestis, transsexuais e transgêneros.
Hoje, varias passeatas e diferentes vertentes do movimento se organizam para resistir aos constantes problemas enfrentados e também para divulgá-los, seja na questão da violência, seja na restrição dos direitos de cidadania. No Brasil, em 2011 algumas conquistas foram asseguradas pela decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o reconhecimento da união estável em famílias homoafetivas. Com essa deliberação, inúmeros direitos foram conquistados e equiparados aos dos casais compostos por homem e mulher: a comunhão parcial de bens, as pensões alimentícias e do INSS, a inclusão de dependentes nos planos de saúde e no imposto de renda, entre outros. Apesar das conquistas, ainda há muitos objetivos no horizonte do movimento LGBT, como as lutas pela criminalização da homofobia e pelo estabelecimento de políticas públicas que promovam a inclusão da população LGBT nos projetos de combate às desigualdades.
 Atualmente, os movimentes LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, Queer e outros) e o feminismo procuram unir suas lutas, mantendo divergências e desenvolvendo percepções politicas e teóricas novas com certa frequência. Entre as teorias mais debatidas no Brasil atualmente, estão a teoria Queer, assim como o transfeminismo, movimento que tem sido marcado pela união do feminismo com os movimentos em defesa das mulheres trans. O ecofeminismo também vem ganhando espaço, especialmente na Índia e nos Estados Unidos. Essa corrente, que se originou de causas ambientais e indígenas, teve certa repercussão no Brasil por meio de estudos científicos, mas com pouca influência nos movimentos sociais.
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