quarta-feira, 24 de junho de 2020

Estado e relações de poder


Relações de poder, ou de mando e obediência, sempre estiveram presentes na vida social do homem. Desde o início da era moderna – digamos, por volta dos séculos XV e XVI –, contudo, essas relações alcançaram elevado grau de complexidade com o surgimento de um novo ator político, o Estado moderno. Este tem como finalidades principais a manutenção da ordem pública e a defesa de seu território, bem como da população e dos recursos naturais nele existentes. Para tanto, o Estado aperfeiçoou, como nenhuma outra agência de poder, os mecanismos de violência – afinal, o que são os exércitos, as polícias, os tribunais, as prisões e a pena de morte, senão a transposição da força física a uma escala de organização superior, cujo uso é controlado e limitado pelas leis elaboradas com a concordância da sociedade, tendo a função de exercer controle social e garantir a ordem e o cumprimento das normas estabelecidas?


 

 

Contratualismo e marxismo para explicar origem do Estado


 

Entre os pensadores políticos, encontramos, pelo menos, duas teorias que explicam as origens e os fundamentos do Estado: a contratualista e a marxista. A primeira reúne autores dos séculos XVII e XVIII, e se baseia na ideia de que o Estado se forma a partir de um contrato social firmado entre indivíduos livres e iguais que decidem abandonar seu estado natural de vida (assim denominado de “estado de natureza”) para se submeter às ordens e exigências de um poder soberano ou corpo político, em sociedade. Os mais conhecidos contratualistas são Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Apesar de figurarem na mesma escola de pensamento, esses autores defendem posições políticas muito distintas. Hobbes ajusta sua teoria à ideia de que “o homem é o lobo do homem”, e que, por isso mesmo, ou o poder do Estado é absoluto ou os homens se matam como feras. Já Locke presume certo grau de sociabilidade espontânea ou natural entre os indivíduos, que, segundo ele, fundam o Estado com a finalidade de garantir os direitos naturais (à vida, à propriedade, à liberdade) concedidos por Deus a todos os homens. Para Locke, o contrato que dá origem ao poder soberano ou Estado não é de submissão absoluta, como em Hobbes, já que os súditos ou cidadãos podem contestar a autoridade do poder político se este investir contra seus direitos naturais. Rousseau, por sua vez, imagina o homem no estado de natureza originalmente em perfeita harmonia com seu semelhante, relação somente prejudicada pelo progresso da civilização, que destrói a felicidade, a virtude e a liberdade naturais. De acordo com ele, os homens só podem resgatar esses bens através da criação (via contrato) de um corpo político de cidadãos, entendido como vontade geral. O verdadeiro titular da soberania passa, assim, a ser o próprio povo, autor das leis a que está submetido, e não o governo instituído por este.

Já de acordo com a teoria marxista – aquela formulada inicialmente por Karl Marx –, o Estado se origina do processo histórico de divisão do trabalho, que gera a desigualdade social e as classes. Nessa teoria, o Estado reflete o conflito de interesses entre as classes na sociedade e – como você já aprendeu aqui – figura como poder organizado de uma parte da sociedade destinado a oprimir e dominar a outra parte.

Já parou para pensar se é possível que o Estado defenda os interesses de toda a população? Você acha que isso acontece hoje em dia no Brasil?

 

 

Nas primeiras formações sociais, o poder não se revelava em instituições próprias; não era exercido por pessoas que se encarregavam especificamente de suas tarefas, como o é nas sociedades complexas ou modernas, nas quais encontramos um corpo de funcionários especializados na administração dos negócios públicos, os agentes ou servidores estatais, por exemplo.

No universo social pré-moderno, a legitimidade do poder derivava da crença nos dotes ou qualidades sobrenaturais dos governantes, como a de evocar espíritos e curar doenças, ou da capacidade destes de se opor aos inimigos externos através da guerra. Mesmo na era moderna, pelo menos nos seus primeiros tempos, o poder político não figurou totalmente esvaziado de conteúdo mítico ou religioso.

Os monarcas europeus dos anos mil e seiscentos e setecentos justificavam seu poder absoluto sobre os súditos com base na teoria do “direito divino dos reis”. De acordo com essa teoria, o poder dos reis vem do alto, de Deus, e só por Ele pode ser retirado – o rei é rei por graça ou vontade divina. Portanto, não cabia ao súdito se revoltar contra (ou contestar) a autoridade do monarca – aquele que o fizesse estaria violando não só as leis do Estado como também as leis de Deus. Nenhum outro rei da Europa encarnou melhor essas ideias do que o francês Luís XIV, o Rei Sol, conhecido por sua famosa frase “O Estado sou eu”.

Rei francês Luís XVI

A grande novidade introduzida na política moderna não está, pois, na separação absoluta entre religião e Estado (que não ocorreu, como acabamos de ver), mas na supremacia do Estado sobre a religião. Segundo essa ideia, o Estado é soberano dentro de seu território, não cabendo a qualquer outro poder, religioso ou não, contestar sua autoridade de mando. A soberania do Estado em relação a outros poderes constituídos é a característica principal da política moderna. Dizer que o Estado é soberano implica reconhecê-lo como poder autônomo e independente, detentor exclusivo do direito de usar a força e aplicar a lei dentro do seu território.

 

 

 

Sessão de tribunal


O Estado liberal tem, entre suas características, ser laico, ou seja, separa o Estado da religião.

Houve uma história divulgada pelo jornal Folha de São Paulo de que a presidente Dilma Rousseff, assim que tomou posse, retirou o crucifixo da parede e a Bíblia de sua mesa. Uma de suas ministras contradisse a informação, afirmando que o crucifixo foi na mudança do ex-presidente Lula, e que a Bíblia continua lá. Mais do que o fato em si, o que essa discussão demonstra é a centralidade do debate religioso no cenário político do Brasil. A bancada evangélica aumentou sua participação no Congresso Nacional em quase 50% no pleito de 2010 – o mesmo em que Dilma foi eleita –, tendo como bandeiras o ataque à descriminalização do aborto e ao casamento gay. Vale lembrar que o Estado laico, autônomo e independente, é uma das principais características da política moderna.

 

“O Estado nada pode em matéria puramente espiritual, e a igreja nada pode

em matéria temporal.” (John Locke)

 

 

 

Maquiavélico por quê?


 

A palavra “Estado” apareceu pela primeira vez em O príncipe (1513), obra clássica do italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527). Também pela primeira vez, nessa mesma obra, foi exposta a ideia da “razão de Estado”, segundo a qual os governantes devem agir em nome da segurança do Estado, sem renunciar a qualquer meio necessário, por mais vil e cruel que este fosse. Não por acaso, o nome de Maquiavel foi associado (e é até hoje) a todo tipo de vilania, falta de escrúpulo ou ato de crueldade, o que lhe rendeu, inclusive, o adjetivo maquiavélico, de claro sentido pejorativo.

 


Desde o tempo das monarquias absolutas ou de direito divino até os nossos dias, o Estado passou por profundas mudanças, que se deram com o aumento da participação dos indivíduos na esfera política. O que entendemos por isso é que os indivíduos – inicialmente não reconhecidos pelo Estado como sujeitos portadores de direitos, como vida, propriedade e liberdade –, passaram a influir, cada vez mais decisivamente, nas grandes decisões políticas.

O primeiro passo nessa direção marcou o fim do poder absoluto dos reis e foi dado pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, que conferiram às camadas médias da sociedade – a burguesia propriamente dita – papel relevante na administração dos negócios públicos. Essa mudança assinalou o surgimento do chamado Estado de direito ou liberal – ainda não democrático em suas bases, já que o povo comum, não proprietário de bens, se via impedido da atividade política.

 

Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Formas de Estado e de Governo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984.
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