Relações de poder, ou de mando
e obediência, sempre estiveram presentes na vida social do homem. Desde o início
da era moderna – digamos, por volta dos séculos XV e XVI –, contudo, essas
relações alcançaram elevado grau de complexidade com o surgimento de um novo
ator político, o Estado moderno. Este tem como finalidades principais a
manutenção da ordem pública e a defesa de seu território, bem como da população
e dos recursos naturais nele existentes. Para tanto, o Estado aperfeiçoou, como
nenhuma outra agência de poder, os mecanismos de violência – afinal, o que são
os exércitos, as polícias, os tribunais, as prisões e a pena de morte, senão a
transposição da força física a uma escala de organização superior, cujo uso é
controlado e limitado pelas leis elaboradas com a concordância da sociedade,
tendo a função de exercer controle social e garantir a ordem e o cumprimento
das normas estabelecidas?
Contratualismo e marxismo para explicar origem do Estado |
Entre os pensadores
políticos, encontramos, pelo menos, duas teorias que explicam as origens e os
fundamentos do Estado: a contratualista e a marxista. A primeira reúne
autores dos séculos XVII e XVIII, e se baseia na ideia de que o Estado se
forma a partir de um contrato social firmado entre indivíduos livres e iguais
que decidem abandonar seu estado natural de vida (assim denominado de “estado
de natureza”) para se submeter às ordens e exigências de um poder soberano ou
corpo político, em sociedade. Os mais conhecidos contratualistas são Thomas
Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Apesar de figurarem na mesma
escola de pensamento, esses autores defendem posições políticas muito distintas.
Hobbes ajusta sua teoria à ideia de que “o homem é o lobo do homem”, e que,
por isso mesmo, ou o poder do Estado é absoluto ou os homens se matam como
feras. Já Locke presume certo grau de sociabilidade espontânea ou natural
entre os indivíduos, que, segundo ele, fundam o Estado com a finalidade de
garantir os direitos naturais (à vida, à propriedade, à liberdade) concedidos
por Deus a todos os homens. Para Locke, o contrato que dá origem ao poder
soberano ou Estado não é de submissão absoluta, como em Hobbes, já que os
súditos ou cidadãos podem contestar a autoridade do poder político se este
investir contra seus direitos naturais. Rousseau, por sua vez, imagina o
homem no estado de natureza originalmente em perfeita harmonia com seu
semelhante, relação somente prejudicada pelo progresso da civilização, que
destrói a felicidade, a virtude e a liberdade naturais. De acordo com ele, os
homens só podem resgatar esses bens através da criação (via contrato) de um corpo
político de cidadãos, entendido como vontade geral. O verdadeiro titular da
soberania passa, assim, a ser o próprio povo, autor das leis a que está submetido,
e não o governo instituído por este. Já de acordo com a teoria
marxista – aquela formulada inicialmente por Karl Marx –, o Estado se origina
do processo histórico de divisão do trabalho, que gera a desigualdade social
e as classes. Nessa teoria, o Estado reflete o conflito de interesses entre
as classes na sociedade e – como você já aprendeu aqui – figura como poder
organizado de uma parte da sociedade destinado a oprimir e dominar a outra
parte. Já parou para pensar se é possível que o Estado
defenda os interesses de toda a população? Você acha que isso acontece hoje
em dia no Brasil? |
Nas primeiras formações
sociais, o poder não se revelava em instituições próprias; não era exercido por
pessoas que se encarregavam especificamente de suas tarefas, como o é nas sociedades
complexas ou modernas, nas quais encontramos um corpo de funcionários
especializados na administração dos negócios públicos, os agentes ou servidores
estatais, por exemplo.
No universo social pré-moderno,
a legitimidade do poder derivava da crença nos dotes ou qualidades sobrenaturais
dos governantes, como a de evocar espíritos e curar doenças, ou da capacidade
destes de se opor aos inimigos externos através da guerra. Mesmo na era
moderna, pelo menos nos seus primeiros tempos, o poder político não figurou
totalmente esvaziado de conteúdo mítico ou religioso.
Os monarcas europeus dos anos
mil e seiscentos e setecentos justificavam seu poder absoluto sobre os súditos com
base na teoria do “direito divino dos reis”. De acordo com essa teoria, o poder
dos reis vem do alto, de Deus, e só por Ele pode ser retirado – o rei é rei por
graça ou vontade divina. Portanto, não cabia ao súdito se revoltar contra (ou contestar)
a autoridade do monarca – aquele que o fizesse estaria violando não só as leis
do Estado como também as leis de Deus. Nenhum outro rei da Europa encarnou
melhor essas ideias do que o francês Luís XIV, o Rei Sol, conhecido por sua
famosa frase “O Estado sou eu”.
A grande novidade introduzida
na política moderna não está, pois, na separação absoluta entre religião e Estado
(que não ocorreu, como acabamos de ver), mas na supremacia do Estado sobre a
religião. Segundo essa ideia, o Estado é soberano dentro de seu território, não
cabendo a qualquer outro poder, religioso ou não, contestar sua autoridade de
mando. A soberania do Estado em relação a outros poderes constituídos é a
característica principal da política moderna. Dizer que o Estado é soberano
implica reconhecê-lo como poder autônomo e independente, detentor exclusivo do
direito de usar a força e aplicar a lei dentro do seu território.
Sessão de tribunal |
O Estado liberal tem, entre
suas características, ser laico, ou seja, separa o Estado da religião. Houve uma história divulgada
pelo jornal Folha de São Paulo de que a presidente Dilma Rousseff, assim que
tomou posse, retirou o crucifixo da parede e a Bíblia de sua mesa. Uma de
suas ministras contradisse a informação, afirmando que o crucifixo foi na
mudança do ex-presidente Lula, e que a Bíblia continua lá. Mais do que o fato
em si, o que essa discussão demonstra é a centralidade do debate religioso no
cenário político do Brasil. A bancada evangélica aumentou sua participação no
Congresso Nacional em quase 50% no pleito de 2010 – o mesmo em que Dilma foi
eleita –, tendo como bandeiras o ataque à descriminalização do aborto e ao
casamento gay. Vale lembrar que o Estado laico, autônomo e independente, é
uma das principais características da política moderna.
“O Estado nada pode em matéria
puramente espiritual, e a igreja nada pode em matéria temporal.” (John Locke) |
Maquiavélico por quê? |
A palavra “Estado” apareceu pela primeira vez em
O príncipe (1513), obra clássica do italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527).
Também pela primeira vez, nessa mesma obra, foi exposta a ideia da “razão de
Estado”, segundo a qual os governantes devem agir em nome da segurança do
Estado, sem renunciar a qualquer meio necessário, por mais vil e cruel que
este fosse. Não por acaso, o nome de Maquiavel foi associado (e é até hoje) a
todo tipo de vilania, falta de escrúpulo ou ato de crueldade, o que lhe
rendeu, inclusive, o adjetivo maquiavélico, de claro sentido pejorativo. |
Desde o tempo das monarquias
absolutas ou de direito divino até os nossos dias, o Estado passou por
profundas mudanças, que se deram com o aumento da participação dos indivíduos
na esfera política. O que entendemos por isso é que os indivíduos –
inicialmente não reconhecidos pelo Estado como sujeitos portadores de direitos,
como vida, propriedade e liberdade –, passaram a influir, cada vez mais
decisivamente, nas grandes decisões políticas.
O primeiro passo nessa direção
marcou o fim do poder absoluto dos reis e foi dado pelas revoluções burguesas dos
séculos XVII e XVIII, que conferiram às camadas médias da sociedade – a
burguesia propriamente dita – papel relevante na administração dos negócios
públicos. Essa mudança assinalou o surgimento do chamado Estado de direito ou
liberal – ainda não democrático em suas bases, já que o povo comum, não
proprietário de bens, se via impedido da atividade política.
Bibliografia
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