domingo, 28 de junho de 2020

Ser diferente é normal

Vimos no capítulo sobre cultura que nossas sociedades são multiculturais, ou seja, temos a presença de diferentes grupos culturais numa mesma sociedade, estejamos nos referindo à cidade ou à nação. Entretanto, ter a consciência dessa realidade nos faz ficar atentos a fatos concretos que dizem respeito aos diversos interesses de grupos e pessoas.


Queremos dizer com isso que quando uma pessoa ou grupo considera normal ou natural uma situação ou ideia, muitas vezes essa normalidade ou naturalidade se expressa como relação de poder, desigualdade ou opressão.

O direito à diferença também significa não aceitar ser tratado com inferioridade na sociedade comandada pelos “homens brancos”. Na foto, índios protestando contra a opressão dos brancos. / Foto: Diego Felipe

Para a Sociologia, falar em sociedade não significa descrevê-la simplesmente de forma homogênea. Quando fazemos uma análise das sociedades, identificamos de imediato a existência de desigualdades sociais e diferenças entre grupos e pessoas. As desigualdades são fabricadas pelas relações sociais, econômicas, culturais e políticas. Geralmente, as classes ou camadas superiores das sociedades são as mesmas, tanto sob o ponto de vista cultural ou político. O que estamos querendo dizer é que as classes sociais ou camadas superiores das sociedades são as mesmas em termos de manutenção do poder político e dos privilégios sociais e econômicos, reproduzindo sua dominação através da cultura e da disseminação de certa visão de mundo. Porém, devemos chamar a atenção para não confundirmos desigualdade social com diferenças sociais e culturais dos indivíduos, grupos e sociedades.

 

 

As desigualdades sociais são definidas a partir das condições sociais e econômicas de determinados grupos. Isto é, há grupos que possuem mais riquezas do que outros e maior acesso a determinados serviços, gerando uma sociedade desigual, na qual poucos possuem muitas riquezas e bens materiais e muitos possuem pouca ou nenhuma riqueza material.

 

A diferença social e cultural, por outro lado, significa que os indivíduos ou grupos são apenas diferentes e não superiores e inferiores. O indivíduo originário do continente africano é diferente do chinês ou do europeu; a mulher é diferente do homem; o heterossexual é diferente do homossexual; o adepto ao candomblé cultua uma religião diferente da do evangélico; as pessoas com deficiências são diferentes daqueles que não possuem necessidades educacionais especiais, e assim por diante. Essas características dos seres humanos não significam superioridade ou inferioridade de uns sobre outros.

 

 

Nas sociedades onde existem muitas diferenças sociais e culturais – como é o caso da nossa –, estas podem se transformar em fatores de desigualdades. Isto quer dizer que os “outros”, que muitas vezes não são considerados “normais”, aparecem como “entidades ameaçadoras”. Daí, surgirem comportamentos e atitudes de discriminação, preconceitos, racismos, machismos, homofobia etc. Na forma física, afetiva e ideológica, os que se consideram “normais” evitam contatos e criam seus próprios mundos, excluindo os que são considerados como “diferentes”. Por isso, a consciência do caráter multicultural de uma sociedade não leva necessariamente ao desenvolvimento de uma relação social de trocas e relações entre as culturas – o chamado interculturalismo.

Em 2007, no enredo e na letra do sambaenredo da Escola de Samba Império Serrano, do Rio de Janeiro, cantava-se: Quem nasceu diferente, e venceu preconceito, a gente tem que admirar. Este samba fala dos portadores de necessidades especiais, porém podemos ampliar esta ideia de que todas as diferenças são normais. Entretanto, se ser diferente é normal, lidar com a diferença é difícil em função das relações de poder entre as pessoas e grupos.

 

Carlos Ruas
 

 

Bibliografia

OLIVEIRA, Luiz Fernandes de, 1968- 4. ed. Sociologia para jovens do século XXI : manual do professor / Luiz Fernandes de Oliveira, Ricardo Cesar Rocha da Costa. - 4. ed. - Rio de Janeiro : Imperial Novo Milênio, 2016.

 


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Estado e relações de poder


Relações de poder, ou de mando e obediência, sempre estiveram presentes na vida social do homem. Desde o início da era moderna – digamos, por volta dos séculos XV e XVI –, contudo, essas relações alcançaram elevado grau de complexidade com o surgimento de um novo ator político, o Estado moderno. Este tem como finalidades principais a manutenção da ordem pública e a defesa de seu território, bem como da população e dos recursos naturais nele existentes. Para tanto, o Estado aperfeiçoou, como nenhuma outra agência de poder, os mecanismos de violência – afinal, o que são os exércitos, as polícias, os tribunais, as prisões e a pena de morte, senão a transposição da força física a uma escala de organização superior, cujo uso é controlado e limitado pelas leis elaboradas com a concordância da sociedade, tendo a função de exercer controle social e garantir a ordem e o cumprimento das normas estabelecidas?


 

 

Contratualismo e marxismo para explicar origem do Estado


 

Entre os pensadores políticos, encontramos, pelo menos, duas teorias que explicam as origens e os fundamentos do Estado: a contratualista e a marxista. A primeira reúne autores dos séculos XVII e XVIII, e se baseia na ideia de que o Estado se forma a partir de um contrato social firmado entre indivíduos livres e iguais que decidem abandonar seu estado natural de vida (assim denominado de “estado de natureza”) para se submeter às ordens e exigências de um poder soberano ou corpo político, em sociedade. Os mais conhecidos contratualistas são Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Apesar de figurarem na mesma escola de pensamento, esses autores defendem posições políticas muito distintas. Hobbes ajusta sua teoria à ideia de que “o homem é o lobo do homem”, e que, por isso mesmo, ou o poder do Estado é absoluto ou os homens se matam como feras. Já Locke presume certo grau de sociabilidade espontânea ou natural entre os indivíduos, que, segundo ele, fundam o Estado com a finalidade de garantir os direitos naturais (à vida, à propriedade, à liberdade) concedidos por Deus a todos os homens. Para Locke, o contrato que dá origem ao poder soberano ou Estado não é de submissão absoluta, como em Hobbes, já que os súditos ou cidadãos podem contestar a autoridade do poder político se este investir contra seus direitos naturais. Rousseau, por sua vez, imagina o homem no estado de natureza originalmente em perfeita harmonia com seu semelhante, relação somente prejudicada pelo progresso da civilização, que destrói a felicidade, a virtude e a liberdade naturais. De acordo com ele, os homens só podem resgatar esses bens através da criação (via contrato) de um corpo político de cidadãos, entendido como vontade geral. O verdadeiro titular da soberania passa, assim, a ser o próprio povo, autor das leis a que está submetido, e não o governo instituído por este.

Já de acordo com a teoria marxista – aquela formulada inicialmente por Karl Marx –, o Estado se origina do processo histórico de divisão do trabalho, que gera a desigualdade social e as classes. Nessa teoria, o Estado reflete o conflito de interesses entre as classes na sociedade e – como você já aprendeu aqui – figura como poder organizado de uma parte da sociedade destinado a oprimir e dominar a outra parte.

Já parou para pensar se é possível que o Estado defenda os interesses de toda a população? Você acha que isso acontece hoje em dia no Brasil?

 

 

Nas primeiras formações sociais, o poder não se revelava em instituições próprias; não era exercido por pessoas que se encarregavam especificamente de suas tarefas, como o é nas sociedades complexas ou modernas, nas quais encontramos um corpo de funcionários especializados na administração dos negócios públicos, os agentes ou servidores estatais, por exemplo.

No universo social pré-moderno, a legitimidade do poder derivava da crença nos dotes ou qualidades sobrenaturais dos governantes, como a de evocar espíritos e curar doenças, ou da capacidade destes de se opor aos inimigos externos através da guerra. Mesmo na era moderna, pelo menos nos seus primeiros tempos, o poder político não figurou totalmente esvaziado de conteúdo mítico ou religioso.

Os monarcas europeus dos anos mil e seiscentos e setecentos justificavam seu poder absoluto sobre os súditos com base na teoria do “direito divino dos reis”. De acordo com essa teoria, o poder dos reis vem do alto, de Deus, e só por Ele pode ser retirado – o rei é rei por graça ou vontade divina. Portanto, não cabia ao súdito se revoltar contra (ou contestar) a autoridade do monarca – aquele que o fizesse estaria violando não só as leis do Estado como também as leis de Deus. Nenhum outro rei da Europa encarnou melhor essas ideias do que o francês Luís XIV, o Rei Sol, conhecido por sua famosa frase “O Estado sou eu”.

Rei francês Luís XVI

A grande novidade introduzida na política moderna não está, pois, na separação absoluta entre religião e Estado (que não ocorreu, como acabamos de ver), mas na supremacia do Estado sobre a religião. Segundo essa ideia, o Estado é soberano dentro de seu território, não cabendo a qualquer outro poder, religioso ou não, contestar sua autoridade de mando. A soberania do Estado em relação a outros poderes constituídos é a característica principal da política moderna. Dizer que o Estado é soberano implica reconhecê-lo como poder autônomo e independente, detentor exclusivo do direito de usar a força e aplicar a lei dentro do seu território.

 

 

 

Sessão de tribunal


O Estado liberal tem, entre suas características, ser laico, ou seja, separa o Estado da religião.

Houve uma história divulgada pelo jornal Folha de São Paulo de que a presidente Dilma Rousseff, assim que tomou posse, retirou o crucifixo da parede e a Bíblia de sua mesa. Uma de suas ministras contradisse a informação, afirmando que o crucifixo foi na mudança do ex-presidente Lula, e que a Bíblia continua lá. Mais do que o fato em si, o que essa discussão demonstra é a centralidade do debate religioso no cenário político do Brasil. A bancada evangélica aumentou sua participação no Congresso Nacional em quase 50% no pleito de 2010 – o mesmo em que Dilma foi eleita –, tendo como bandeiras o ataque à descriminalização do aborto e ao casamento gay. Vale lembrar que o Estado laico, autônomo e independente, é uma das principais características da política moderna.

 

“O Estado nada pode em matéria puramente espiritual, e a igreja nada pode

em matéria temporal.” (John Locke)

 

 

 

Maquiavélico por quê?


 

A palavra “Estado” apareceu pela primeira vez em O príncipe (1513), obra clássica do italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527). Também pela primeira vez, nessa mesma obra, foi exposta a ideia da “razão de Estado”, segundo a qual os governantes devem agir em nome da segurança do Estado, sem renunciar a qualquer meio necessário, por mais vil e cruel que este fosse. Não por acaso, o nome de Maquiavel foi associado (e é até hoje) a todo tipo de vilania, falta de escrúpulo ou ato de crueldade, o que lhe rendeu, inclusive, o adjetivo maquiavélico, de claro sentido pejorativo.

 


Desde o tempo das monarquias absolutas ou de direito divino até os nossos dias, o Estado passou por profundas mudanças, que se deram com o aumento da participação dos indivíduos na esfera política. O que entendemos por isso é que os indivíduos – inicialmente não reconhecidos pelo Estado como sujeitos portadores de direitos, como vida, propriedade e liberdade –, passaram a influir, cada vez mais decisivamente, nas grandes decisões políticas.

O primeiro passo nessa direção marcou o fim do poder absoluto dos reis e foi dado pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, que conferiram às camadas médias da sociedade – a burguesia propriamente dita – papel relevante na administração dos negócios públicos. Essa mudança assinalou o surgimento do chamado Estado de direito ou liberal – ainda não democrático em suas bases, já que o povo comum, não proprietário de bens, se via impedido da atividade política.

 

Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Formas de Estado e de Governo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

A vez da indústria

No quadro das grandes revoluções do século XVIII, há ainda uma que não teve caráter político, mas, para o historiador inglês Eric Hobsbawm, representou o mais importante acontecimento da história do mundo desde o domínio da agricultura: a Revolução Industrial, que ampliou os meios de sobrevivência dos homens e das cidades, e permitiu uma nova forma de sociabilidade.

Sabe-se que a expressão Revolução Industrial foi aplicada às inovações técnicas que alteraram os métodos de trabalho tradicionais e, a partir das últimas décadas do século XVIII, propiciaram grande enriquecimento econômico. Há também consenso quanto ao fato de que a Inglaterra foi o primeiro país a entrar na era industrial. No entanto, a Revolução Industrial não foi um episódio precisamente datado, com princípio, meio e fim. Em muitos casos, a industrialização foi um processo lento. A essência da Revolução Industrial está, na verdade, na ideia de que a “mudança é a norma”. A validade desse princípio pode ser facilmente percebida até hoje: inventa-se algo e, em pouco tempo, uma nova técnica ou um novo instrumento mais eficiente torna o anterior obsoleto.

 

Eduard Bierma. Indústria de caldeiras a vapor em Berlim, 1847. Óleo sobre tela, 1,10 × 1,61 m./ Archiv der Borsigschen Vermögensverwaltung, Dauerleihgabe an, Alemanha 

Além de alterar a maneira de lidar com a técnica, a Revolução Industrial produziu outras mudanças. A fábrica tornou-se um importante local de trabalho; os capitalistas tornaram-se os detentores dos meios de produção (terra, equipamentos, máquinas); o trabalhador, contratado livremente, passou a receber salário, podendo se deslocar de um emprego para outro. A Revolução Industrial alterou profundamente os meios de produção, estimulou e provocou a competição por mercados internos e externos, e, além disso, fez com que o trabalho humano passasse a ser combinado de forma sistemática às máquinas e inovações tecnológicas. As mudanças permanentes passaram a ser estimuladas aliando liberdade de pensamento a apoio político para a invenção de novos e mais sofisticados instrumentos.  

 

 

Capitalismo 

Sistema econômico surgido na Europa nos séculos XVI e XVII, o capitalismo desenvolveu-se estimulado pela Revolução Industrial e está fundamentado na propriedade privada no mercado com transações monetárias. Isso significa, por exemplo, que no sistema capitalista as fábricas, lojas, escolas, hospitais podem pertencer a empresários, e não ao Estado. Além disso, a produção e a distribuição das riquezas são determinadas pelo mercado, ou seja, em tese, os preços são definidos pelo jogo da oferta e da procura. De maneira geral, podemos resumir o funcionamento desse sistema da seguinte forma: o proprietário da empresa (o capitalista) compra a força de trabalho de terceiros (os proletários) para produzir bens que, uma vez comercializados, lhe permitem recuperar o capital investido e obter um excedente (lucro).

 

 

Afinal, para onde a razão nos conduziu?

A trajetória das sociedades ocidentais que acabamos de descrever de forma resumida não conduziu os homens ao paraíso. A vitória da razão e dos princípios democráticos oriundos das revoluções Americana e Francesa e do capitalismo não solucionou todos os problemas. Ao contrário, logo surgiram desmandos e outras explorações.

O século XIX viu o novo sistema capitalista, fundamentado na propriedade privada e tendo como principais atores a burguesia e o proletariado, produzir prosperidade e pobreza, avanços e misérias. Para onde teriam escapado os ideais libertários e igualitários do século XVIII?

As transformações sofridas pela sociedade moderna nos campos intelectual, político e econômico acabaram por gerar perguntas que exigiram o esforço de pensadores para respondê-las: Se os homens têm direitos iguais, se todos são cidadãos, por que a sociedade é tão desigual? Como explicar e tratar as diferenças? Como combinar tradição com modernidade, costume com novidade? Foi na cidade que essas questões afloraram e foi lá também que se desenvolveu a proposta de pensar sobre elas. A Sociologia nasceu com esse desafio: compreender as alterações profundas por que passaram as sociedades e refletir sobre a maneira como os homens e mulheres reagiram a elas. Como disse o sociólogo norte-americano Robert Nisbet a respeito desse novo campo do conhecimento: “[...] as ideias fundamentais da sociologia europeia são mais bem compreendidas como respostas ao problema da ordem, criado em princípio do século XIX pelo colapso do velho regime, sob os golpes do industrialismo e da democracia revolucionária”.

Há outra condição que também deve ser considerada para entendermos o “nascimento” da Sociologia: ela representa um campo de conhecimento que depende da liberdade de pensamento, do exercício da razão e da controvérsia, da possibilidade de manifestação pública de ideias distintas e muitas vezes opostas. Essa condição foi alcançada na Europa do século XIX, e desde então os sociólogos estão entre aqueles que lutam para que ela jamais desapareça.

 

Bibliografia

Tempos modernos, tempos de sociologia: ensino médio: volume único / Helena Bomeny... [et al.] (coordenação). — 2. ed. — São Paulo: Editora do Brasil, 2013.

domingo, 21 de junho de 2020

Diversidade cultural na sociedade brasileira

O Brasil é uma nação pluriétnica e multicultural, composta por diversas formas de organização social em diferentes grupos. Podemos observar essa diversidade e suas variações, por exemplo, entre os proprietários de terras, os dirigentes e os representantes políticos, os moradores das favelas nas grandes cidades, a população jovem que cursa o Ensino Médio em escolas públicas. Neste país com indivíduos tão diferentes entre si – pela cor da pele, pela classe social a que se integram, pela região onde moram, pela geração a que pertencem, etc. – existem um racismo difuso e uma discriminação velada, porém efetivos. Esses sentimentos perpassam as relações sociais, seja no trabalho, seja na escola, e se expressam na intolerância cotidiana e na não aceitação da diferença, seja ela de cor de pele, de comportamento, de costumes ou de aparência.

Desconsiderar a diversidade cultural, muitas vezes, nos impede de perceber que a desigualdade social e a discriminação restringem o acesso aos bens materiais e culturais por amplos setores da população. Desencadeadas pelo preconceito e pela concentração de renda (e de poder), novas formas de exclusão social derivam hoje do desemprego, do trabalho precário, das exigências da tecnologia informacional, próprias do moderno processo de produção capitalista.

 


Na foto ao lado, indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, protestam em frente ao Congresso Nacional (Brasília), em 2008, pela demarcação de suas terras./ Lula Marques/Folha Imagem

Devido à desigualdade social marcante no Brasil, surgem diferentes concepções e representações da realidade nacional. A cultura, assim como os códigos de conduta e de sobrevivência entre as populações marginalizadas – moradores de rua, de comunidades de baixa renda, desempregados –, expressam modos de vida muito particulares. O caso das comunidades indígenas brasileiras é significativo para pensarmos na marginalização de certas culturas.

Durante muitos séculos, os indígenas não foram respeitados em seus costumes e no seu direito ao uso das terras. Os povos indígenas que sobreviveram ao genocídio causado pela colonização foram limitados a espaços onde não conseguem viver sua cultura de forma plena. A falta de respeito à sua cultura também faz com que empresas multinacionais e fazendeiros se aproveitem ilegalmente de suas terras, muitas vezes acabando com a sustentabilidade dos recursos naturais que as tribos utilizariam como forma de subsistência.

 


Índios Kuikuro em festa do Kuarup na aldeia Afukuri, no Parque Indígena do Xingu, em 2012./ Alex Almeida/Folhapress/ Renato Soares/Pulsar Imagens

A Constituição brasileira de 1988 garante a demarcação das terras indígenas com o objetivo de reverter algumas injustiças e proporcionar condições de subsistência para o modo de vida de suas populações, embora o conflito com fazendeiros e representantes do agronegócio seja constante. Ainda que muitos de seus traços culturais estejam presentes em nosso cotidiano e seja significativa a sua contribuição para o desenvolvimento do país, a participação desses povos em nossa história continua pouco valorizada pela maioria das pessoas.

Um processo semelhante ocorreu com os negros escravizados, cuja chegada ao Brasil se relaciona aos processos de escravização e deportação de pessoas da África para a América. Na visão do antropólogo Carlos Brandão, esse grupo étnico também foi “educado” pelos europeus, ou seja, tornado “igual” para melhor servir aos interesses dos grandes proprietários de terra. Aos africanos trazidos e a seus descendentes foram impostas a língua e a religião dos colonizadores para que pudessem entender as ordens recebidas e obedecer.

Muitas vezes as culturas do branco, ou seja, dos europeus e seus descendentes foram (e são) julgadas superiores às outras, o que resultou no passado e no presente em diversas formas de resistência à dominação cultural. Um episódio histórico de 1835, na Bahia, ilustra uma resistência, a dos Malês, escravos africanos de religião muçulmana, dispostos a abolir a dominação dos senhores brancos. A revolta foi duramente reprimida pelas forças oficiais.

A importância dos africanos e seus descendentes para a história do Brasil, como alertam diversos estudos culturais, precisa ser reconhecida e valorizada.

Os registros de sua trajetória, de sua cultura e de seu trabalho – fundamentais para nossa economia – estão muito aquém da riqueza e da diversidade de sua participação. Visando reparar essa situação e expor o preconceito existente na nossa sociedade, alguns sociólogos se dedicaram ao tema, como foi o caso de Florestan Fernandes, em A integração do negro na sociedade de classes (1964), e de Octavio Ianni, com As metamorfoses do escravo (1962) e Raças e classes sociais no Brasil (1966). Esses estudos mostram que o preconceito e o racismo têm raízes em condições sociais históricas.

Os direitos conquistados na legislação por esses grupos não têm sido suficientes para constituir uma sociedade de justiça e democracia. Basta lembrar que a discriminação é considerada crime desde a Constituição de 1988, mas nem por isso ela deixou de existir. Em seus artigos 215 e 216, por exemplo, a Constituição discorre sobre a possibilidade de regularização de terras para as comunidades remanescentes de quilombos, reconhecendo a propriedade definitiva sobre elas, desde que ocupadas por descendentes de escravos. Porém, como no caso das terras indígenas, muitos processos de regularização demoram anos para serem concluídos, devido à pressão de grupos econômicos.

Ainda que indivíduos e famílias pertencentes aos grupos denominados minorias estejam conseguindo galgar posições valorizadas social e economicamente pela conquista de um emprego formal ou de melhores condições de vida, superando preconceitos, barreiras econômicas e culturais, os dados estatísticos brasileiros revelam a persistência da desigualdade social racial.

O racismo é uma construção histórica que resiste no campo simbólico, ou seja, nas ideias que as pessoas têm sobre “ser negro” e “ser branco”. Os estudos sobre esse tema sugerem que o combate ao preconceito precisa ser enfrentado pelo Estado por meio da educação e de políticas afirmativas, com o objetivo de desenvolver a cidadania plena, isto é, com todos os direitos sociais e políticos assegurados.

A construção de uma identidade nacional está ligada à ideia de pertencimento a um território, a um país ou a um povo. assim, as diferenças culturais estão presentes na formação da sociedade.

Há, no mundo atual, intenso imbricamento cultural entre as realidades locais e a global. O diverso e o diferente se ampliam para além das questões étnico-raciais. As demais culturas estrangeiras, especialmente as europeias e a estadunidense, influenciam na constante transformação da cultura brasileira, seja pela presença do imigrante em nossa história, seja pelo desenvolvimento do mercado de consumo – moda, tecnologia, artes, conhecimentos variados – e dos meios de comunicação de massa.

 




 

Acima, descendentes de japoneses no monumento em homenagem ao Centenário da Imigração Japonesa, concebido pela artista plástica Tomie Ohtake e instalado no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). Foto de 2008.


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