segunda-feira, 8 de março de 2021

Produção de conhecimento - Uma característica fundamental das Sociedades humanas

Primeiras Palavras

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em setembro de 2014, informava que 805 milhões de pessoas passavam fome em todo o mundo. Esse número representava um em cada nove seres humanos que viviam no planeta. A ONU também apontava que a maior parte dos que passavam fome vivia em países em desenvolvimento. Isso nos mostra que, em pleno século XXI, antigos problemas continuam a desafiar a humanidade. Por isso, é cada vez mais importante compreender o mundo e os fenômenos que fazem parte do dia a dia.


Para cada problema vivenciado por homens e mulheres em vários lugares da Terra, como a falta de comida ou a distância entre duas cidades, diferentes sociedades encontraram diferentes soluções. Entretanto, tendo como referência a história ocidental até o final da Idade Média, essa busca por conhecimento e soluções não acontecia em relação às transformações e aos conflitos sociais: os choques entre religiões, os conflitos geracionais, a estrutura familiar e a organização política e econômica, entre outros, eram entendidos como fenômenos naturais ou como resultados da providência divina. Nesses casos, não cabia à humanidade interferir. Uma realidade na qual não se pode intervir não é vivida como um problema, mas como um destino, e um destino não pode ser objeto da ação humana e do conhecimento científico.

Somente a partir do século XVIII, por causa das grandes revoluções que ocorreram no período, as sociedades e suas diferentes realidades começaram a ser discutidas e vistas como construções passíveis de serem transformadas pela ação humana. Mais do que isso, essas transformações poderiam ser realizadas considerando objetivos traçados pela própria sociedade, com base em princípios éticos modernos que propunham a liberdade, a igualdade e a fraternidade contra a servidão, a hierarquia e a exploração.

O contexto social que mudou o modo como as sociedades ocidentais olhavam para si mesmas e as converteu em objeto da ciência foi um processo sócio-histórico que envolveu três grandes revoluções: uma econômica (Revolução Industrial), uma política (Revolução Francesa) e outra cultural (Iluminismo).

Nesse contexto, o conhecimento religioso e filosófico construído ao longo dos séculos foi confrontado com outro modo de compreender a realidade social: o conhecimento científico. Somente então foi possível o surgimento da Sociologia, ciência que objetiva compreender os conflitos, as permanências e as transformações das sociedades contem-porâneas. Em conjunto com a Antropologia e a Ciência Política, a Sociologia constitui o campo do conhecimento denominado Ciências Sociais.

Elas buscam compreender a realidade social e propor soluções para os inúmeros conflitos sociais contemporâneos. Ainda que, na prática, a divisão entre as três ciências não seja rigorosa, por convenção, a Antropologia prioriza os fenômenos culturais, a Ciência Política, as relações de poder e instituições políticas, e a Sociologia, a análise das relações e estruturas sociais.

Neste capítulo, iniciaremos juntos a caminhada para entender como a Sociologia nos permite desnaturalizar nossas certezas e por que o método científico é uma ferramenta indispensável para o sucesso dessa empreitada.

 

Desnaturalizar

A ideia de desnaturalização ou estranhamento na Sociologia consiste em perceber os fenômenos sociais como construções humanas resultantes de outros fenômenos sociais, não como aspectos imutáveis da natureza.

   

As diferentes formas de conhecimento

A espécie humana não se limita a sobreviver no mundo. Ela também procura entendê-lo e modificá-lo de acordo com as diferentes formas como percebe a realidade. Essa busca, que articula a realidade objetiva (como se apresenta aos sentidos) e a realidade subjetiva (tal qual é percebida pelos indivíduos), é a matriz sobre a qual se constrói o que convencionamos chamar conhecimento.

Podemos definir o conhecimento como toda compreensão e prática adquiridas, cuja memória e transmissão permitem lidar com as tarefas do dia a dia. Quando uma pessoa age de acordo com sua experiência de vida, expressa uma forma de conhecimento do mundo. Correr a favor do vento e segurar um martelo pelo cabo são habilidades adquiridas com a experiência, um tipo de conhecimento construído na vida comum. Do mesmo modo, quando um cientista anuncia uma descoberta, também apresenta um tipo de conhecimento sobre a realidade. Portanto, podemos afirmar que somos todos capazes de produzir conhecimento, mas existem diferenças de acordo com a forma como esse conhecimento é produzido.

Orientado pela experiência e transmitido por gerações, o conhecimento produzido nas sociedades adquire formas tão diversas quanto as próprias sociedades. Pode-se, por exemplo, resolver um problema imediato (como atravessar um rio sem se afogar), responder a uma questão transcendental, isto é, que vai além da nossa existência material (como o sentido da vida e da morte), resolver uma pendência social (como determinar o justo proprietário de uma terra) ou desvendar as estruturas do Universo (de que forma definir a menor partícula que compõe a matéria).

É possível tentar explicar as mais diversas questões com base na experiência ou mediante o que se aprende com os pais, na crença em Deus ou em um livro sagrado, em sistemas lógicos de pensamento ou, ainda, em regras e critérios sistemáticos de investigação e de verificação.

 As explicações obtidas com regras e critérios sistemáticos de investigação e de verificação constituem a forma de conhecimento que chamamos de ciência.

Pela possibilidade de ser criticada e corrigida, pela flexibilidade para absorver inovações e expandir sua área de atuação, peta eficiência na forma como orienta a intervenção no mundo, pelo caráter plural que permite sua prática em diferentes culturas, a ciência é hoje o modo mais aceito de produção de conhecimento. No entanto, ainda que ela seja importante para a produção material da sociedade, outros conhecimentos produzidos no dia a dia, baseados na prática e na experiência, estão presentes na vida social. As conquistas das lutas políticas e a eficácia dos saberes tradicionais dos povos, assim como diferentes produtos da inteligência coletiva (desenvolvida por meio do trabalho colaborativo e disponibilizada para a sociedade especialmente por meio das novas tecnologias informacionais, como a internet), são exemplos disso.

 

Conhecimento religioso

O fato de a ciência ser o meio de produção de conhecimento mais amplamente aceito nas sociedades industrializadas não significa que outros meios tenham desaparecido. Quando o conhecimento sobre o sentido da vida ou sobre como proceder diante da inevitabilidad e da morte é fundamentado na crença em Deus ou em um livro sagrado, ele é chamado conhecimento teológico ou religioso.

 

 

SAIBA MAIS

 

 

Religião 

A religião pode ser entendida como o conjunto de crenças e práticas comuns de uma coletividade, organizado com base em uma ou mais divindades, que determinam os princípios morais desse grupo e suas interpretações do mundo. Cada expressão ou manifestação religiosa se caracteriza por símbolos e rituais específicos. As tradições religiosas mais difundidas na atualidade são o cristianismo, o islamismo, o hinduísmo, o judaísmo e o budismo. Além dessas, existem milhares de outras manifestações religiosas em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, convivem centenas de religiões, que podem ser reunidas em cinco grandes grupos: católicos, evangélicos, espíritas, afro-brasileiros e de outras manifestações religiosas, como o islamismo, o judaísmo, o budismo e o hinduísmo. Estas últimas representam apenas uma pequena parcela das crenças religiosas dos brasileiros.

 

No Brasil, 92% da população declara ter religião. Na foto, igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Ouro Preto (MG, 2015).

 

Grandes grupos de religião no Brasil (em relação à população total)

Católica Apostólica Romana

Evangélicas

Espíritas

Umbanda e Candomblé

Outras religiosidades

Sem religião

64,6%

22,2%

2,1%

0,4%

2,7%

8,0%

Fonte: IBGE. Censo demográfico 2010: resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

 

 

Diferentemente da ciência, a religião é um conhecimento sustentado peta crença na existência de uma realidade exterior ao mundo que influencia a percepção e a explicação da realidade social. Seus ensinamentos orientam uma compreensão e uma prática da vida fundamentadas nos princípios religiosos.

 

Conhecimento filosófico

A Filosofia também procura explicar a realidade. Mas, diferentemente da fundamentação religiosa, que tem como princípio a fé em uma verdade revelada, amparada em um ou mais deuses ou profetas, a Filosofia empreende um esforço para dar sentido racional aos mistérios do mundo com base no questionamento e na reflexão.

Ainda que seus resultados não precisem ser comprovados em testes de verificação, eles não podem deixar de obedecer aos princípios da razão. Ao procurar responder a questões como "o que é?", "como é?" e "por que é?", em outras palavras, ao buscar a essência, a significação e a origem das coisas, a Filosofia se vale do pensamento racional e da lógica para justificar e sistematizar o conhecimento que produz.

 

SAIBA MAIS

 

 

Filosofia e Filosofia das Ciências Sociais

 

A Filosofia é uma disciplina acadêmica que está inter-relacionada com diferentes campos do saber, pois trabalha com questões como a natureza do entendimento, da lógica, da linguagem e da causalidade. Essas questões são importantes para diferentes ciências, entre elas a Sociologia.

Por esse motivo, existe uma especialidade filosófica chamada Filosofia das Ciências Sociais, que se propõe, entre outras coisas, a questionar os fundamentos da construção teórica, dos métodos de coleta de dados e dos resultados da Sociologia.

O questionamento dos fundamentos da ciência promovido pela Filosofia é importante para que a Sociologia continue a se transformar, de maneira que aprimore suas técnicas, renove seu compromisso ético e aperfeiçoe os resultados.

Assim, a Filosofia das Ciências Sociais pesquisa os processos de construção de conceitos, a relação entre a teoria e a realidade, o lugar dos valores em sua argumentação, a natureza da ação, o papel da linguagem e as formas para comprovar uma teoria sociológica.

 

 

Bibliografia

Sociologia em movimento. — 2. ed. — São Paulo : Moderna, 2016.

Postagem anterior
Próximo post

0 Comments:

‹‹ Postagem mais recente Postagem mais antiga ››