Primeiras Palavras
Um relatório da Organização das
Nações Unidas (ONU), divulgado em setembro de 2014, informava que 805 milhões
de pessoas passavam fome em todo o mundo. Esse número representava um em cada
nove seres humanos que viviam no planeta. A ONU também apontava que a maior
parte dos que passavam fome vivia em países em desenvolvimento. Isso nos mostra
que, em pleno século XXI, antigos problemas continuam a desafiar a humanidade.
Por isso, é cada vez mais importante compreender o mundo e os fenômenos que
fazem parte do dia a dia.
Para cada problema vivenciado
por homens e mulheres em vários lugares da Terra, como a falta de comida ou a
distância entre duas cidades, diferentes sociedades encontraram diferentes
soluções. Entretanto, tendo como referência a história ocidental até o final da
Idade Média, essa busca por conhecimento e soluções não acontecia em relação às
transformações e aos conflitos sociais: os choques entre religiões, os
conflitos geracionais, a estrutura familiar e a organização política e
econômica, entre outros, eram entendidos como fenômenos naturais ou como
resultados da providência divina. Nesses casos, não cabia à humanidade
interferir. Uma realidade na qual não se pode intervir não é vivida como um
problema, mas como um destino, e um destino não pode ser objeto da ação humana
e do conhecimento científico.
Somente a partir do século
XVIII, por causa das grandes revoluções que ocorreram no período, as sociedades
e suas diferentes realidades começaram a ser discutidas e vistas como
construções passíveis de serem transformadas pela ação humana. Mais do que
isso, essas transformações poderiam ser realizadas considerando objetivos
traçados pela própria sociedade, com base em princípios éticos modernos que
propunham a liberdade, a igualdade e a fraternidade contra a servidão, a
hierarquia e a exploração.
O contexto social que mudou o
modo como as sociedades ocidentais olhavam para si mesmas e as converteu em
objeto da ciência foi um processo sócio-histórico que envolveu três grandes revoluções:
uma econômica (Revolução Industrial), uma política (Revolução Francesa) e outra
cultural (Iluminismo).
Nesse contexto, o conhecimento
religioso e filosófico construído ao longo dos séculos foi confrontado com
outro modo de compreender a realidade social: o conhecimento científico.
Somente então foi possível o surgimento da Sociologia,
ciência que objetiva compreender os conflitos, as permanências e as
transformações das sociedades contem-porâneas. Em conjunto com a Antropologia e a Ciência Política, a Sociologia constitui o campo do conhecimento
denominado Ciências Sociais.
Elas buscam compreender a
realidade social e propor soluções para os inúmeros conflitos sociais
contemporâneos. Ainda que, na prática, a divisão entre as três ciências não
seja rigorosa, por convenção, a Antropologia prioriza os fenômenos culturais, a
Ciência Política, as relações de poder e instituições políticas, e a
Sociologia, a análise das relações e estruturas sociais.
Neste capítulo, iniciaremos
juntos a caminhada para entender como a Sociologia nos permite desnaturalizar nossas certezas e por que o método científico é uma
ferramenta indispensável para o sucesso dessa empreitada.
Desnaturalizar A ideia de desnaturalização ou estranhamento na
Sociologia consiste em perceber os fenômenos sociais como construções humanas
resultantes de outros fenômenos sociais, não como aspectos imutáveis da
natureza. |
As diferentes formas de conhecimento
A espécie humana não se limita
a sobreviver no mundo. Ela também procura entendê-lo e modificá-lo de acordo
com as diferentes formas como percebe a realidade. Essa busca, que articula a
realidade objetiva (como se apresenta aos sentidos) e a realidade subjetiva
(tal qual é percebida pelos indivíduos), é a matriz sobre a qual se constrói o
que convencionamos chamar conhecimento.
Podemos definir o conhecimento
como toda compreensão e prática adquiridas, cuja memória e transmissão permitem
lidar com as tarefas do dia a dia. Quando uma pessoa age de acordo com sua
experiência de vida, expressa uma forma de conhecimento do mundo. Correr a
favor do vento e segurar um martelo pelo cabo são habilidades adquiridas com a
experiência, um tipo de conhecimento construído na vida comum. Do mesmo modo,
quando um cientista anuncia uma descoberta, também apresenta um tipo de
conhecimento sobre a realidade. Portanto, podemos afirmar que somos todos
capazes de produzir conhecimento, mas existem diferenças de acordo com a forma
como esse conhecimento é produzido.
Orientado pela experiência e
transmitido por gerações, o conhecimento produzido nas sociedades adquire
formas tão diversas quanto as próprias sociedades. Pode-se, por exemplo,
resolver um problema imediato (como atravessar um rio sem se afogar), responder
a uma questão transcendental, isto é, que vai além da nossa existência material
(como o sentido da vida e da morte), resolver uma pendência social (como
determinar o justo proprietário de uma terra) ou desvendar as estruturas do
Universo (de que forma definir a menor partícula que compõe a matéria).
É possível tentar explicar as
mais diversas questões com base na experiência ou mediante o que se aprende com
os pais, na crença em Deus ou em um livro sagrado, em sistemas lógicos de
pensamento ou, ainda, em regras e critérios sistemáticos de investigação e de verificação.
Pela possibilidade de ser
criticada e corrigida, pela flexibilidade para absorver inovações e expandir
sua área de atuação, peta eficiência na forma como orienta a intervenção no
mundo, pelo caráter plural que permite sua prática em diferentes culturas, a
ciência é hoje o modo mais aceito de produção de conhecimento. No entanto,
ainda que ela seja importante para a produção material da sociedade, outros
conhecimentos produzidos no dia a dia, baseados na prática e na experiência,
estão presentes na vida social. As conquistas das lutas políticas e a eficácia
dos saberes tradicionais dos povos, assim como diferentes produtos da
inteligência coletiva (desenvolvida por meio do trabalho colaborativo e
disponibilizada para a sociedade especialmente por meio das novas tecnologias
informacionais, como a internet), são exemplos disso.
Conhecimento religioso
O fato de a ciência ser o meio
de produção de conhecimento mais amplamente aceito nas sociedades
industrializadas não significa que outros meios tenham desaparecido. Quando o
conhecimento sobre o sentido da vida ou sobre como proceder diante da
inevitabilidad e da morte é fundamentado na crença em Deus ou em um livro
sagrado, ele é chamado conhecimento
teológico ou religioso.
Diferentemente da ciência, a
religião é um conhecimento sustentado peta crença na existência de uma
realidade exterior ao mundo que influencia a percepção e a explicação da
realidade social. Seus ensinamentos orientam uma compreensão e uma prática da
vida fundamentadas nos princípios religiosos.
Conhecimento filosófico
A Filosofia também procura
explicar a realidade. Mas, diferentemente da fundamentação religiosa, que tem
como princípio a fé em uma verdade revelada, amparada em um ou mais deuses ou
profetas, a Filosofia empreende um esforço para dar sentido racional aos
mistérios do mundo com base no questionamento e na reflexão.
Ainda que seus resultados não
precisem ser comprovados em testes de verificação, eles não podem deixar de
obedecer aos princípios da razão. Ao procurar responder a questões como "o
que é?", "como é?" e "por que é?", em outras palavras,
ao buscar a essência, a significação e a origem das coisas, a Filosofia se vale
do pensamento racional e da lógica
para justificar e sistematizar o conhecimento que produz.
SAIBA MAIS |
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Filosofia e Filosofia das Ciências Sociais A Filosofia é uma disciplina
acadêmica que está inter-relacionada com diferentes campos do saber, pois trabalha
com questões como a natureza do entendimento, da lógica, da linguagem e da
causalidade. Essas questões são importantes para diferentes ciências, entre
elas a Sociologia. Por esse motivo, existe uma
especialidade filosófica chamada Filosofia das Ciências Sociais, que se
propõe, entre outras coisas, a questionar os fundamentos da construção
teórica, dos métodos de coleta de dados e dos resultados da Sociologia. O questionamento dos
fundamentos da ciência promovido pela Filosofia é importante para que a
Sociologia continue a se transformar, de maneira que aprimore suas técnicas,
renove seu compromisso ético e aperfeiçoe os resultados. Assim, a Filosofia das Ciências
Sociais pesquisa os processos de construção de conceitos, a relação entre a
teoria e a realidade, o lugar dos valores em sua argumentação, a natureza da
ação, o papel da linguagem e as formas para comprovar uma teoria sociológica. |
Bibliografia
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